Um olhar – O meu olhar, certamente, será o de tantos outros; um olhar de indignação e apreensão sobre o presente e o futuro, daqueles que se encontram a braços com graves dificuldades económicas -, que por sua vez, desencadeiam dissemelhanças sociais.
Martin Luther King, aponta que o verdadeiro desafio não é a existência da pobreza, mas a falta de vontade política e social para erradicá-la, mesmo em um mundo com recursos suficientes para todos.
Não podemos assobiar para o lado, quando as diferenças sociais, educacionais e culturais grassam e invadem as nossas casas e tudo o que nos rodeia. Desarrumam vidas e põem em risco toda a malha familiar.
Vemos constantemente apelos sonoros de ajuda e, se é certo que, a sociedade civil encontra formas de levar a cabo ações sociais, junto dos que mais precisam, não é menos certo que, devemos chamar o Estado a intervir de forma mais musculada.
Bem sabemos que é um problema transversal a muitos países, mas urge olharmos pelos nossos.
Portugal ainda não encontrou o seu caminho por forma a colmar a pobreza de grande parte das famílias. Todos os dias somos confrontados com o aumento de produtos essenciais a uma alimentação equilibrada e condigna. O teto salarial da maioria não comporta o elevado nível de vida.
Não chega anunciar políticas socias se elas não saírem do papel e forem concretizadas. Não chega o desenho das mesmas se não forem de encontro às necessidades reais.
Há famílias que passam fome. Sim, bastantes, muitas. Todos temos conhecimento delas. Não chega o que pontualmente fazemos. Não chega matar a fome hoje e deixar o amanhã nas mãos do destino. O problema agrava-se e é constante. Avoluma-se e como uma bola de neve, mas um dia vem por aí abaixo e ninguém a segura.
O que mais nos dói – porque é dor o que sentimos, é sabermos que as crianças vão para a escola sem comer, que a mãe vai trabalhar sem comer. E no seu regresso a casa, o sorriso será o alento de mais uma noite.
As paredes da casa são tantas vezes o agasalho dos olhos que tão pouco entreveem. Tão pouco lhes resta… a não ser a fome e as lágrimas da mãe, que derreada, as engole como se fossem iguaria…
Mais uma noite e um prato de massa cozida e umas poucas salsichas. «Amanhã, será arroz» – balbucia a irmã mais velha num fio de voz…
Arroz e massa, único género alimentício em tantas casas, onde ainda reina a esperança e amor. Alimentos distribuídos por instituições de solidariedade.
Estas famílias são uma grande fatia da nossa sociedade, desta que vamos construindo: mãe que trabalha e filhos na escola, idosos e doentes com reformas acanhadas. Uma renda de casa para pagar, uma família para alimentar. Medicamentos para tomar. Uma dignidade para manter.
São cada vez mais as filas dos que buscam ajuda em instituições. Aqueles que pela noite adentro se reúnem para aceitar uma sopa quente misturada com palavras de conforto.
Mas assusta-me os que vão vivendo de uma vergonha escondida em pequenos nichos. Assusta-me o desmantelamento psicológico e físico. Assusta-me a deflagração desta pobreza social, cultural e humana.
Condoí-me perscrutar o olhar destes que sofrem e exigir-lhes um bom desempenho escolar, laboral e social. O que encontramos é uma letargia incontornável, um desinteresse calado. Um silêncio ensurdecedor no interior do peito.
Basta de retóricas e demagogia que visam manipular e contentar as massas, com promessas que muito hipoteticamente não serão realizadas. Isto é apenas querer conquistar o poder político.
Tudo isto se reflete na sociedade que abominamos.
Densas nuvens hão juntar-se até que a história mude o rumo duma sociedade desigual e em desequilíbrio.
Martin Luther King, aponta que o verdadeiro desafio não é a existência da pobreza, mas a falta de vontade política e social para erradicá-la, mesmo em um mundo com recursos suficientes para todos.
Professora e Escritora