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Sábado, Julho 12, 2025

Como será o futuro? – Por Onofre Varela

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Quando entramos no ano 2000, por ser uma data redonda e emblemática
para os vaticinadores do futuro e da desgraça, ouvi e li crentes de um
qualquer credo religioso afirmarem que “este século será religioso,
ou não será”.

A frase é ambígua. A ambiguidade é característica dos defensores de
uma religião. Com ela, podem dar meia-volta e seguir noutra direcção,
de acordo com os interesses do culto no caso de a premissa se revelar
falsa, o que lhes permite a afirmação da sua “razão” pela mesma
via… fingindo ser outra.

Desde logo importa saber o que se quer dizer com o termo
“religioso”.

Pode-se ser religioso e não ter fé numa divindade… se quisermos
entender assim, a Ciência também poderá ser uma religião… no
sentido de “procura”, que não no de “adoração”. No latim, o
termo “religio” tem um significado amplo, englobando a ideia de um
sentimento de respeito, dever moral e reverência, não apenas em
relação à divindade, mas também noutros contextos como no de
“procurar a verdade”. E depois… o “não será”, significa o
quê? Que o século poderá não ser religioso… ou não será
século?!…

Nas conjunturas sociais graves é comum os povos mais crentes
recorrerem ao guarda-chuva da fé para apaziguarem o espírito. É nesse
sentido que a rotineira “volta a Deus” acaba por aparecer como
tábua de salvação sob uma forma ideológica gerada pelos indivíduos
com menos raciocínio lógico, encontrando no conceito de Deus algum
sentimento de segurança e consolo.

É uma característica do pensamento dos crentes que “vivem por
procuração”, enquanto mentes cativas de uma entidade divina,
impedindo-os de alcançarem outro raciocínio mais de acordo com as
“mentes ilustradas”… isto é, aquelas que são mais racionais e
científicas, dispensadoras do divino.

Nesse sentido concordo com Gonzalo Puente Ojea (advogado, diplomata e
escritor cubano, falecido em Espanha em 2017, aos 93 anos de idade)
quando afirmou ser “o ateísmo a situação intelectual mais coerente
com a actualidade, porque recusa as atitudes de fidelidade a um deus que
viola as exigências de discernimento da consciência, impedindo que o
ser humano tome posse de si mesmo” (1).

Na esteira da tentativa de adivinhação do futuro, também já se
afirmou que o Islão irá dominar o mundo; que os árabes refugiados das
guerras do Médio Oriente e da miséria dos países islâmicos
africanos, invadiriam a Europa miscigenando-se connosco, e o futuro do
mundo será islâmico (esperem aí um bocadinho… só vou ali dar uma
gargalhada e já volto!…).

Miscigenados já nós estamos há milénios, desde que os “Homo
sapiens” saíram de África e se espalharam pelo mundo! Não há
“raças puras” (nem impuras… as “raças” humanas não existem.
O que existe é o “Homo sapiens sapiens”, um antropoide igual em
todo o mundo e que faz da espécie humana uma “raça” única, com
indivíduos apresentando diferenças faciais, de estatura e de cor da
pele, por imposição do meio em que vivem há milhares de anos).

Eu não faço nenhuma ideia do que será o futuro… e os vaticinadores
da desgraça, também não! Cada um pensa um futuro à sua medida… e
por aí eu gosto de pensar que a Humanidade trilha o caminho da
perfeição possível, que será cada vez menos seguidora de religiões
deístas e cada vez mais ateia, respeitadora do próximo e do
ambiente… se calhar, mais espiritual dispensando Deus.

Quando afirmo este gosto parece que estou a colocar-me ao nível dos
religiosos e a assumir a minha “costela de fé” ao “crer” num
futuro positivo. Admito que sim… porém trata-se de “uma fé”
alicerçada na História e não na Mitologia. A espécie a que
pertencemos já foi bem mais religiosa e belicosa do que é hoje.

Depois da Revolução Francesa mudou-se o estado de graça da Religião
e o seu paradigma. As repúblicas e as monarquias ocidentais modernas
são laicas, e muitos conflitos já são resolvidos com a palavra,
evitando-se recorrer à violência do confronto físico ou através de
máquinas de guerra, (o que não impede a existência simultânea de
ditadores que contrariam esta premissa e adoram invadir, destruir, matar
e anexar).

Comparativamente com a idade da Civilização, iniciada cerca do ano
3000 aC, (o que lhe dá mais de 5000 anos de existência), a Revolução
Francesa (14 de Julho de 1789) aconteceu há poucochinho… há menos de
dois séculos e meio… ainda cheira a pintado de fresco.

A Humanidade terá de esperar tanto tempo quanto o que já decorreu
entre Ramsés II e a tomada da Bastilha, para que o apuro do pensamento
prescinda da ideia de Deus e as igrejas encerrem (ou se reciclem) por
falta de clientela?

Gosto de pensar que o tempo em falta para se atingir essa desejada meta
não será tão dilatado, porque a aprendizagem já conseguida
acelerará o processo, iluminando consciências muito mais cedo, numa
lógica de um futuro com dimensão humana repercutida na coerência e na
boa ética.

Por isso quero vaticinar um futuro onde as religiões serão residuais,
radicadas nas sociedades técnica e cientificamente menos desenvolvidas.
A sua “clientela” não desaparecerá totalmente… a fé e a sua
exploração em favor de algo ou de alguém, perdurará no tempo!…

Mas isto digo eu… é “uma fé minha”… e não uma certeza…
muito menos científica.

Quanto à premissa científica também se deve dizer que, no fim de
Março de 2024, foi divulgado um estudo da “University of California
Davis Health” que revela estar o cérebro humano a ficar maior, o que
poderá levar a um aumento da reserva cerebral. Para já, a parte boa da
notícia diz que tal aumento de volume reduz potencialmente o risco de
demências relacionadas com a idade.

O estudo, publicado na revista “Jama Neurology”, revela que os
participantes na investigação, nascidos na década de 1970, tinham
6,6% mais volume cerebral e quase 15% mais área de superfície cerebral
do que os nascidos na década de 1930.

A notícia é omissa relativamente a outras consequências ditadas pelo
desenvolvimento do tamanho do cérebro. Não se sabe se tal aumento
poderá ter implicações no modo de raciocinar, no sentido
comportamental da espécie… mas aqui… “eu pego na minha
fé”… e espero que sim… para melhor!

Em 1961 era eu um jovem de 17 anos, estudava na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis (Porto) e lia a revista juvenil  “O Foguetão” que aparecia nas bancas quinzenalmente. A revista desafiou os leitores a escreverem sobre o ano 2000. Correspondi ao desafio e enviei um texto que foi publicado (e também Alberto Martins – que haveria de ser deputado parlamentar pelo PS – leitor da revista, escreveu e também viu publicado o seu texto).

O curioso disto está no facto de, 40 anos depois, a revista
“Notícias Magazine” ter descoberto esses textos dos jovens de há
quatro décadas, e ter feito uma peça jornalística com eles! Aqui fica
a capa desse número (o 344) da “Notícias Magazine” editada a 27 de
Dezembro de 1998.

Não pretendo (e nem sei) prever o futuro… mas, olhando para a
História e imaginando poder encontrar nela alguma lógica, permito-me
pensar que dentro de algumas gerações a realidade social da maioria
dos países poderá ser outra, porque a evolução natural faz o seu
caminho no “constante retoque” da espécie humana, cujas acções
serão moldadas em novos conceitos e interesses ditados pela
evolução… a qual não é previsível.

E as “previsões atrevidas” são muito falíveis, como se comprova
com o desafio que uma revista francesa lançou aos artistas gráficos
por altura da inauguração da Exposição Universal de 1900, cujo
símbolo foi a Torre Eiffel (inaugurada na Feira Internacional de Paris
em 1989, também como celebração do bi-centenário da Revolução
Francesa [1789]).

O desafio consistia na apresentação de projectos gráficos que
fizessem uma antevisão do que seria o ano 2000. Os concorrentes
apresentaram desenhos fantasistas representando grandiosas construções
em ferro, como marca distintiva do ano 2000!

Todos os concorrentes tinham as suas mentes tomadas pelo mais moderno
que conheciam: as grandiosas construções em ferro, tendo o seu
expoente máximo não só na Torre Eiffel, mas também noutras
construções emblemáticas da nova tecnologia, tais como a primeira
linha do metro de Paris e as espectaculares estações de comboio de
Orsay (hoje museu), Invalides e Lyon. Por isso os projectos apresentados
mostravam arrojadas construções em ferro… e ninguém imaginou que,
um século depois, a técnica seria dominada, não por monstros
ferrugentos, mas por um objecto anão… um aparelhinho tão pequeno
como é um computador de bolso: o telemóvel!

Não sabendo como será o futuro, sei, pelo menos, como desejo que ele
seja… o que já é saber alguma coisa!… Mesmo correndo o risco de
errar, como erraram os meus colegas gráficos de 1900, parece-me que o
futuro mais lógico, a nível energético, estará nas ditas energias
limpas que, embora já preocupem os responsáveis pelo sector, ninguém
sabe como será a energia do futuro. Não me atrevendo a antever o
futuro energético, espero o sucesso de quem está apostado em
transformá-lo em favor do ambiente.

Também me atrevo a imaginar a qualidade de pensamento do Homem do
futuro, que vaticino ser mais atento à actividade dos cientistas do que
à exploração de crenças e dos crentes por parte dos mitómanos. Se
assim for, a revolução do pensamento trará o abandono gradual do
sentimento divino como “premissa salvadora”… e para a qual a
Ciência não deixa abrigo.

E isso será bom… ou mau?… Tudo depende do que fazemos com o
conhecimento… tal como com a faca que usamos para cortar o pão… mas
também matamos com ela! Penso (desejo) que faremos bom uso dessa
“faca”… presumo ser esse o nosso caminho natural que acontecerá
na maioridade de pensamento alcançada pela evolução da espécie. A
Inteligência Artificial (IA) que já por cá anda, tem tempo de
“fazer das suas” nos 75 anos que nos separam do terceiro milénio…
a ver vamos o que produzirá ela em benefício do comportamento humano. A
minha esperança é que a IN (Inteligência Natural) evolua
geneticamente e utilize a IA para o bem comum, fazendo do futuro um
sítio bom para viver. Mas para que isso aconteça é absolutamente
necessário que a educação nacional, em cada país, tenha a qualidade
científica necessária para se atingir tal fim.

Para que a evolução natural tenha lugar, é forçoso que a
impulsionemos. Ela não parte do nada nem cai do céu. O ADN tem um
papel importante no processo. Cabe-nos aproveitá-lo… ou não!… Se o
aproveitarmos (e não tenho nenhuma razão que me leve a supor que o
desperdicemos) não tenho dúvidas de que a evolução acontecerá
irremediavelmente… e então… vamos todos ser “uns gajos
porreiros”… (estão a ver?… A minha “fé de ateu” não tem
limites!…)

(1) Ateísmo y Religiosidad. Reflexiones sobre un debate. Siglo
Veintiuno de España Editores. 2ª Edição corrigida. Madrid, 2001.

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