A terminar o ano de 2024, ainda durante as últimas férias escolares, surpreendi e fui surpreendido por algumas conversas entre adolescentes e entre estes e os respectivos progenitores acerca da saturação daqueles por causa do excessivo número de actividades ditas de «ocupação de tempos livres».
Esperava mais depressa queixas por causa do número de disciplinas escolares ou por causa da necessidade real – na óptica do adolescente – em aprender certas matérias (ainda não me esqueci das minhas dúvidas adolescentes quanto à vantagem em interiorizar conhecimentos sobre o sistema nervoso da minhoca) do que reclamações sobre o pouco ou nenhum tempo sobrante do estudo e de actividades «de tempos livres» de que os adolescentes possam livremente dispor.
A escola vem sendo cada vez mais requerida a suprir novas necessidades de aprendizagem, a ser sobrecarregada com mais matérias, tidas todas por fundamentais, e a consequência disso tem sido a muito discutida sobrecarga dos currículos, dos tempos lectivos e dos tempos para o estudo individual.
Sem esquecer as explicações que parecem ter-se tornado um complemento indispensável e incontornável da actividade escolar em sentido estrito, a uma pelo menos e quase sempre a mais disciplinas.
Acontece que há adolescentes aos quais são mais ou menos impostas actividades que preencham as horas diurnas que lhes sobejem da actividade escolar propriamente dita, a título de enriquecimento pessoal e social.
E casos há em que são mesmo muitas e diversificadas: o desporto, a dança ou o ballet, o teatro, a música, a pintura, a tecelagem, os bordados, a informática … um rosário infindável de prendas que ouvi desfiar durante as referidas conversas acima referidas.
Mais surpreendente ainda é detectar que os percursos entre actividades na mesma jornada têm de ser feitos pelo meio de transporte mais rápido disponível e acessível, quando as pernas não são suficientes para os vencer a tempo e a salvo de perigos de rua que parecem assombrar cada vez mais pais e educadores.
Como as armadilhas de trânsito crescem também cada vez mais, não é difícil imaginar o stress implicado nessas corridas contra o tempo para chegar a tempo ao tempo de actividade supostamente «livre».
Como é evidente, os adolescentes e progenitores cujas conversas surpreendi – e me surpreenderam – são de famílias suficientemente abonadas para poderem suportar os custos implicados no exercício dessas actividades e inerentes deslocações extra passe social.
Mas o que não me surpreendeu foi verificar mais uma vez que há progenitores que desenvolveram uma espécie de horror ao vazio ocupacional na vida quotidiana dos filhos, temendo que isso constitua inevitavelmente uma porta entreaberta aos maus pensamentos, às más companhias e às práticas viciosas.
Há uma certa ironia no facto de, neste aspecto, se ver perpetuada e interiorizada no espaço doméstico do séc. 21, uma ideia que inspirou e dominou duradouramente o pensamento e a prática estadual em matéria de correcção e reeducação de adolescentes e jovens socialmente inadaptados, indisciplinados ou delinquentes, a partir de meados do séc. 19.
Porém, aplicar exageradamente tal ideia neste nosso tempo não está livre de gerar efeitos perversos.
Surpreendi-me, de facto, a sorrir e a sentir compreensão e solidariedade perante a resposta de uma das adolescentes quando alguém lhe perguntou o que é que ela afinal preferia fazer.
Ela respondeu, simplesmente: nada.
Jurista