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Terça-feira, Setembro 17, 2024

Ser jovem é também desviar-se às normas? Os desafios da Segurança em Portugal – Por Clara Boavista * e Pedro Nogueira Simões

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Pedro Nogueira Simões
Pedro Nogueira Simões
Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário

Associar a juventude a períodos de desafios, à procura de autonomia e ao teste de limites é algo que está presente em qualquer abordagem relacionada com o desenvolvimento humano.

Em traços gerais, é essencial explorar as trajetórias dos jovens, assim como os fatores que se encontram associados à emergência dos seus comportamentos desviantes.
De igual modo, deve-se entender a caracterização das trajetórias dos participantes em termos de percurso educativo e delinquência juvenil. Pretende-se ainda compreender quais os fatores associados à emergência das trajetórias de risco e desvio dos jovens, bem como compreender a sua natureza.

E nada melhor que a própria descrição do Nobel da Literatura, o alemão Thomas Mann, ao salientar que “ser jovem quer dizer ser original, quer dizer conservar-se próximo das fontes da vida, quer dizer erguer-se e sacudir as amarras de uma civilização obsoleta, ousar o que outros não têm coragem de arriscar, e saber voltar a imergir no elementar”.
Dito isto, as preocupações com comportamentos desviantes, envolvendo situações de agressões e furtos, têm vindo a ganhar destaque e, em alguns casos, têm levado a uma maior sensação de insegurança no seio das comunidades.

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Foto de MART PRODUCTION

Este facto tem vindo a suscitar debates sobre a eficácia das políticas de integração e a necessidade de uma maior transparência na divulgação de dados criminais.
É de destacar a preocupação com bairros degradados que, segundo as autoridades, podem potenciar alguns comportamentos desviantes.

A Secretaria de Estado da Administração Interna defende a necessidade de uma abordagem integrada entre o governo e as autarquias, de modo a prevenir a criminalidade nestas áreas.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), de 2023, revela um aumento preocupante em várias categorias de crimes em Portugal. Em comparação com 2022, a criminalidade geral aumentou 8,2%, totalizando 371.995 crimes, o maior número registado nos últimos dez anos. Destacam-se os crimes relacionados com o tráfico e consumo de drogas, que subiram 19,4%, além de um crescimento significativo nos crimes de tráfico de pessoas (158%) e auxílio à imigração ilegal (298%).

A criminalidade violenta e grave também apresentou um aumento de 5,6%, com destaque para o crescimento de crimes como extorsão (25,8%), sequestro e rapto (22%), e resistência à autoridade (13,2%). Por outro lado, houve uma diminuição de crimes como o homicídio voluntário e o roubo a residências.

Relativamente à delinquência juvenil, o RASI, de 2023, referiu um aumento significativo, particularmente notável nas áreas metropolitanas, onde os jovens se envolvem em crimes como roubos, agressões físicas e ameaças.
Este aumento tem sido atribuído a fatores como desigualdade social, falta de oportunidades e problemas familiares. Fenómenos como o bullying, cyberbullying e a violência no namoro, exacerbados pela dependência das redes sociais, têm também vindo a crescer significativamente.

No que se refere à segurança escolar, junto às escolas e no seu interior, registou-se um aumento global de ocorrências em ambiente escolar (12,4%) e de ocorrências de natureza criminal (16,1%). Estes acontecimentos envolvem furtos, roubos e tráfico de estupefacientes considerados de menor gravidade.

A criminalidade grupal, caracterizada pela formação espontânea de grupos de jovens motivados por lealdade ao bairro ou identificação com grupos musicais ou escolares, subiu 14,6% em relação a 2022.

Esses grupos concentram-se na prática de crimes violentos, especialmente em zonas urbanas sensíveis. O relatório evidencia ainda preocupações com o aumento da criminalidade quanto a fraudes online e ataques ransomware.

Em resposta a estes desafios, o governo português, através da nova Lei da Política Criminal para 2023-2025, estabeleceu a prevenção da violência juvenil como uma prioridade.
Esta abordagem inclui a investigação de crimes cometidos por jovens e a ênfase na proteção das vítimas, especialmente as mais vulneráveis, designadamente as crianças e os jovens. As estratégias têm como objetivos fortalecer o papel das escolas, comunidades locais e forças de segurança na promoção de alternativas saudáveis para os jovens, como o desporto e as atividades extracurriculares.

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Foto de KINDEL MEDIA

A delinquência juvenil está também diretamente relacionada com fatores socioeconómicos e influências culturais, sendo que o relatório sugere uma atenção especial à prevenção e à criação de políticas públicas que possam mitigar esses comportamentos desviantes.
Diante este cenário, é essencial que as escolas, em parceria com as comunidades e as autoridades, assumam um papel central na prevenção da delinquência juvenil.
Investir em programas educacionais inclusivos, que promovam valores de cidadania e ofereçam alternativas saudáveis de desenvolvimento, como o desporto e as artes, pode ser um modo eficaz de reduzir comportamentos desviantes.

Além disso, o fortalecimento das políticas de apoio às famílias e a promoção de uma maior integração social são passos fundamentais para garantir que os jovens encontrem caminhos positivos para o seu futuro.

Somente com uma abordagem integrada e colaborativa será possível reverter estas tendências preocupantes e construir uma sociedade mais segura e justa para todos.
Isto porque os resultados não mentem e é evidente uma relação direta entre os percursos educativos problemáticos e a delinquência juvenil, sendo essencialmente os fatores de natureza externa aqueles que maior associação têm à emergência de trajetórias de risco e desvio.

Assim, tais fenómenos fazem parte de toda a sociedade, e não podemos aceitar o mito de que a juventude é um problema apenas dos mais jovens. Embora muitas coisas ocorram na juventude, como momentos de criatividade e afirmação, somos mais do que a nossa idade e, em cada fase da vida, esses momentos são essenciais para nosso desenvolvimento pessoal.

* Clara Boavista é Docente Universitária e Doutorada em Educação

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