Não é com guerra nem com destruição de povos que se eliminam ideias. Isto não são clubes de futebol onde se trocam bandeiras e se calcam identidades ao som de hinos. E não — não é teoria da conspiração. É apenas o eco amargo que começa a ressoar nos corredores empoeirados da velha Europa, tão ilustrada, tão civilizada… tão capaz de parir monstros com “pedigree” e verniz diplomático.
Há muito que a loucura deixou de estar confinada aos hospícios. Hoje ela veste fato Hugo Boss, fala em nome da democracia, desfila em cimeiras internacionais e decide, com a frieza de um cirurgião e a moral de um carteirista, o destino de milhões. Não grita, não baba, não esbraceja — fala em segurança, estabilidade e “valores europeus“, enquanto assina tratados que matam lentamente.
A elite europeia — essa que se gaba de séculos de filosofia, arte e razão — revelou-se incapaz de aprender com o próprio passado. Séculos de impérios, genocídios coloniais e guerras mundiais culminaram não numa sabedoria serena, mas num cinismo polido. Hoje, os herdeiros dessa suposta civilização financiam a carnificina em Gaza com a mesma naturalidade com que brindam ao “progresso”. Bombas sobre hospitais? Crianças soterradas? “Tragédias lamentáveis”, dizem — enquanto aprovam mais um carregamento de munições.
Sabe-se bem que a crise humanitária não caiu do céu. Foi cozinhada no coração da Europa e servida à força no Oriente Médio, em África e onde mais conviesse. A imigração descontrolada, rotulada de ameaça, é o resultado direto das guerras que os próprios países europeus financiaram, incentivaram ou fingiram combater. São eles os bombeiros de gasolina.
E o cúmulo da loucura?
Ver esses mesmos governos posarem de defensores da paz e dos direitos humanos enquanto alimentam, com um zelo contabilístico, a máquina de guerra israelita. Chama-se “autodefesa“, dizem — mas soa cada vez mais a limpeza étnica com o selo de aprovação ocidental. Atacam o Irão, ameaçam o Líbano, transformam Gaza em ruínas — tudo em nome da segurança. E o mundo, acocorado diante do aliado nuclear, responde com comunicados vazios e silêncios cúmplices.
Mas agora o fogo vai começar a arder mais perto. A Europa, que achava que podia bombardear à distância sem sujar os próprios tapetes, vai ver-se confrontada com uma realidade que ela mesma cultivou e acarinhou. Comunidades muçulmanas isoladas, feridas e marginalizadas, assistem ao massacre dos seus em tempo real. E pergunta-se: o que vai acontecer quando a dor atravessar o Mediterrâneo? Quando a raiva se instalar nas ruas de Paris, Bruxelas, Berlim? E quando a bomba já não estiver no deserto, mas na tua cidade? No teu metro? Na tua escola? Na tua porta?
A elite, essa mesma que alimentou o caos e fingiu dominá-lo, começa agora a perceber que não comanda coisa nenhuma. Não são estadistas — são os zeladores de um manicômio em chamas, convencidos de que as paredes ainda estão de pé só porque a fachada resiste ao primeiro olhar.
Há, no entanto, uma escolha. Podemos continuar a fingir que esta loucura faz parte da ordem natural do mundo. Ou podemos parar. Não por altruísmo. Nem por heroísmo. Mas porque o fim desta espiral de hipocrisia, guerra e silêncio cúmplice é inevitavelmente a nossa própria destruição.
Porque, se não travarmos esta insanidade, ela não nos vai poupar. E quando isto tudo cair, não sobrará lucidez alguma para contar a história — só cinzas e fantasmas a repetir, num sussurro: vocês sabiam. E nada fizeram.

Engenheiro/Colaborador