
A permacultura — muitos ainda não a conhecem — não é apenas uma forma de cultivar legumes sem pesticidas. É, antes de tudo, uma filosofia de vida. Nasce da junção de “permanente” e “cultura”, e propõe um modo de habitar o mundo em equilíbrio com a natureza. Imagina um prato onde cada ingrediente foi plantado com respeito pelo solo, regado com chuva ou água reaproveitada, colhido no tempo certo, sem químicos que envenenem a terra nem o corpo. Tudo ali tem um propósito, um ciclo, uma relação. Nada é desperdício; até os restos alimentam o composto que nutrirá a próxima semente. A permacultura ensina que a abundância nasce da cooperação, não da exploração.
Mas enquanto uns cultivam com sabedoria, outros vivem — ou sobrevivem — naquilo a que se poderia chamar “permacrise”. Um neologismo amargo, mas fiel: uma crise que não passa, que se instala como norma, que se reproduz em todos os cantos da vida em sociedade. Se a permacultura cuida, a permacrise consome. Se aquela regenera, esta exaure. Se uma planta com paciência, a outra arranca com pressa.
Na Sociedade, a permacrise manifesta-se como uma erosão silenciosa da confiança. Confiança nas instituições, nos vizinhos, nos contratos tácitos que sustentam a vida em comum. As ruas enchem-se de gente, mas os laços rareiam. A solidão não é só um sentimento — é uma política. Enquanto isso, os discursos de ódio proliferam como ervas daninhas em solo árido, alimentados pela incerteza e pela promessa fácil de um bode expiatório.
Na Saúde, a permacrise é o hospital sobrelotado onde o cansaço dos profissionais se confunde com a dor dos doentes. É a espera interminável por uma consulta, o medicamento que escasseia, o sistema que, em vez de cuidar, administra a escassez. A saúde pública, outrora símbolo de civilização, transforma-se num campo de batalha onde se luta não só contra doenças, mas contra a indiferença burocrática.
Na Educação, a permacrise é a escola que forma para o mercado, mas esquece de formar para a vida. É o professor sobrecarregado, mal pago, mal ouvido, enquanto se exige que seja psicólogo, assistente social, mediador de conflitos e produtor de resultados estatísticos. As crianças aprendem a responder a testes, mas não a perguntar pelo mundo. E assim, cultivamos competências técnicas, mas deixamos secar a curiosidade — o solo mais fértil da inteligência humana.
No Emprego, a permacrise é o contrato precário que dura anos, o salário que não alcança o mês, a promessa de “carreira” que se dissolve em estágios sem fim. É o trabalhador que, mesmo com dois empregos, não consegue pagar uma renda condigna. Enquanto isso, os lucros das empresas disparam, mas a riqueza não goteja — evapora-se nos paraísos fiscais.
Na Habitação, a permacrise é o jovem que sonha com um tecto próprio, mas vê os preços subirem como se os imóveis fossem acções na bolsa. É o idoso empurrado para os subúrbios porque o bairro onde viveu toda a vida foi “gentrificado” até à alma. A casa, outrora refúgio, torna-se mercadoria especulativa, e o direito à moradia, um privilégio.
Na Imigração, a permacrise é a fronteira fechada com discursos de segurança, enquanto se esquece que muitos dos que hoje fecham portas foram outrora acolhidos — ou fugiram. É o racismo estrutural disfarçado de “preocupação cultural”, a exploração laboral mascarada de “oportunidade”. E, no entanto, são muitas vezes esses mesmos migrantes que sustentam os serviços essenciais que os nativos já não querem — ou não podem — desempenhar.
Internacionalmente, a permacrise é a guerra que nunca acaba, só muda de palco. É a corrida aos recursos, a desinformação como arma, a diplomacia substituída por sanções e retórica bélica. Vivemos sob a ameaça constante de um conflito global, não porque os povos queiram guerrear, mas porque os sistemas de poder lucram com o medo.
E a corrupção? Ah, a corrupção é o adubo da permacrise. Não é um desvio ocasional, mas um modo de funcionamento. Um sistema onde os laços entre negócios, política e interesses obscuros se entrelaçam como raízes venenosas, sufocando qualquer tentativa de transparência. A corrupção não é o cancro do sistema — é o seu metabolismo.
Mas eis que, mesmo na permacrise, persiste a semente da permacultura. Porque a permacultura não é só sobre hortas e compostagem — é uma ética: cuidar da terra, cuidar das pessoas, partilhar os excedentes. É um convite a repensar não só o que consumimos, mas como vivemos, como nos relacionamos, como construímos comunidade.
Talvez a saída da permacrise não esteja numa solução técnica ou num novo líder messiânico, mas numa mudança de paradigma: deixar de gerir a crise e começar a cultivar a resiliência. Redesenhar os sistemas não para maximizar lucros, mas para regenerar laços. Educar não para competir, mas para cooperar. Trabalhar não só para sobreviver, mas para contribuir.
A permacrise é o espelho distorcido do nosso tempo. Mas a permacultura — essa — é o jardim que ainda podemos semear, mesmo em betão. Basta querer cavar.

Professor, Poeta e Formador