Em declarações à Lusa, Carlos Cortes afirmou que os médicos devem colocar a vida acima de qualquer questão economicista e lembrou os riscos para a saúde pública caso não sejam tratados setores da população.
Hoje, mais de 800 profissionais de saúde disseram que não vão obedecer às alterações à Lei de Bases da Saúde aprovada na generalidade no dia 19 de dezembro, que consideram discriminatórias, e admitem praticar atos de desobediência civil.
“Eu já expressei a minha solidariedade para com os princípios invocados no abaixo-assinado”, afirmou Carlos Cortes, considerando que, antes do mais, está em causa “uma questão ética e de deontologia médica” e um “imperativo moral”.
“Perante um doente que necessita de cuidados de saúde, temos que sempre intervir e fazer o nosso melhor para poder tratar esse doente”, independentemente da “sua condição, nacionalidade, raça, etnia ou religião”, afirmou.
Por outro lado, a exclusão de imigrantes irregulares do SNS levanta “questões de saúde pública”, porque aumenta o risco de transmissão de doenças, já que uma franja da população está sem tratamento.
“Para poder cuidar da minha saúde, eu tenho que cuidar da saúde de todos e nós vimos isso na pandemia”, exemplificou.
As questões financeiras correspondem a “um aspeto administrativo que tem que ser resolvido na área administrativa”, que pode passar por seguros de saúde ou protocolos entre países, mas “em nenhuma circunstância, nenhuma mesmo, esse aspeto pode interferir com o tratamento do doente e com a prática dos atos médicos são absolutamente necessários”, acrescentou o bastonário.
“Não me passa pela cabeça, um único segundo, que haja um único médico neste país que possa ponderar, por exemplo, que, perante uma pessoa que tem um problema de saúde, por causa de questões administrativas, não preste socorro”, acrescentou Carlos Cortes.
A Ordem irá comunicar formalmente a sua oposição “junto de quem de direito” e está disponível a dar apoio jurídico aos clínicos que recusarem cumprir esta decisão do parlamento.
Numa carta aberta, um “total de 840 profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, técnicos de diagnóstico e terapêutica e outros profissionais” consideram que estas alterações condicionam o acesso dos imigrantes em situação irregular, pelo que se comprometem “a continuar a prestar cuidados a todas as pessoas, sem discriminação, considerando que a proteção da saúde da população visada, no âmbito da ética e a deontologia que regem as [suas] profissões, poderá justificar ações de desobediência civil”.
Acusando o Governo de promover desigualdades e dificultar o combate a doenças transmissíveis, os subscritores recordam que, em França, uma medida semelhante não avançou devido à oposição de 3.500 médicos.
“Utentes daqui e de outros lados, a nossa porta está aberta para todos. E assim continuará”, prometem.
Para os subscritores, a alteração é discriminatória, viola a constituição e tratados internacionais e “agravará desigualdades, sobrecarregará os serviços de urgência e comprometerá a saúde pública, ao dificultar o acesso a cuidados de saúde em segurança e à prevenção e tratamento de doenças transmissíveis”.
Segundo um levantamento estatístico, “a população não-residente em Portugal que recorre ao SNS é residual”, escrevem os subscritores, recordando que este tipo de medidas noutros países mostra “os impactos negativos a nível de saúde pública, mortalidade e custos económicos”.
Na sexta-feira, foram aprovados projetos de Lei do Chega e do PSD e CDS-PP sobre as condições de acesso de cidadãos estrangeiros não residentes ao SNS.
O projeto do Chega altera a Lei de Bases da Saúde de 2019 para limitar o acesso ao SNS a estrangeiros que não residam em Portugal, só lhes permitindo aceder aos cuidados de saúde públicos em casos de emergência ou mediante pagamento.
Também o projeto de lei apresentado por PSD e CDS-PP visa alterar a Lei de Bases da Saúde para travar a “utilização abusiva” do Serviço Nacional de Saúde por estrangeiros não residentes em Portugal, exigindo documentação extra a estes cidadãos.
Ministério da Saúde respeita decisão
A ministra da Saúde afirmou que os mais de 800 profissionais que ameaçam desobedecer às restrições no acesso de estrangeiros ao SNS estão a exercer seu “direito cívico”, considerando “perfeitamente natural” que haja manifestações sobre estas “matérias delicadas”.
Ressalvando que ainda não leu a carta, o que o irá fazer “com muita atenção” quando a receber, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, disse que “são cidadãos que estão a usar o seu direito cívico de se manifestarem contra uma proposta que foi votada na Assembleia da República e que terá agora também a sua discussão”.
Também questionada se poderá haver um revés na discussão na especialidade dos projetos de lei do Chega, do PSD e CDS-PP, para travar a “utilização abusiva” do SNS por estrangeiros não residentes em Portugal, exigindo documentação extra a estes cidadãos, a ministra afirmou que se está a “tentar antecipar uma discussão que é do país e que é do povo português”.
“São matérias muito delicadas, em que temos que ter um grande equilíbrio e nós, no Serviço Nacional de Saúde e no Ministério da Saúde, faremos aquilo que naturalmente a lei nos obrigar a fazer, como é óbvio”, declarou.
Reiterou ver com “muita naturalidade” o facto de cidadãos – “independentemente de serem profissionais de saúde ou não” – expressarem a sua opinião, “usarem os argumentos que entendem” e isso “só pode enriquecer o debate democrático”.
OC/AJS/Lusa