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Terça-feira, Outubro 15, 2024

E, mais uma vez, as Prisões – Por António Duarte-Fonseca

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As áreas mais melindrosas sob a tutela do Ministério da Justiça são as que se ocupam da execução de penas e medidas privativas de liberdade, não apenas pela emergência frequente de tensões e de resistências nos que têm de as cumprir, às vezes com efeitos funestos, como também por as respectivas consequências serem susceptíveis de criar alarme e sentimentos de indignação e de insegurança nos cidadãos.

Muito por causa disso, historicamente, a maioria dos ministros da Justiça reservou para si a tutela dos serviços prisionais, sem a delegar num secretário de estado. Isso não aconteceu no actual governo, na linha do que vem acontecendo apenas desde há alguns anos.
A recente fuga de cinco reclusos, quatro dos quais sujeitos a severas medidas de acompanhamento e controlo durante as saídas que não possam deixar de realizar, colocou bruscamente o estabelecimento prisional de Vale de Judeus, uma prisão tida como de alta segurança, sob atenção generalizada, despertando interrogações e dúvidas que rapidamente alastraram ao funcionamento e segurança dos outros estabelecimentos prisionais, bem como à administração prisional no seu todo.

Pondo termo à expectativa longamente criada, a Ministra da Justiça, em conferência de imprensa, certamente para tranquilizar o público através da comunicação social, anunciou o prosseguimento sem quebras das investigações sistemáticas sobre as causas e circunstâncias da fuga colectiva e sobre o paradeiro dos fugitivos, com vista à sua captura.
Anunciou também a tomada de duas medidas de fundo: uma auditoria à segurança e uma auditoria de gestão, ambas dirigidas aos estabelecimentos prisionais, considerando os resultados desse diagnóstico indispensáveis para determinação de outras medidas que, consequentemente, se lhe revelem necessárias.

Se a primeira destas auditorias tem como horizonte temporal estimado o final do corrente ano, a segunda não foi anunciada como tendo conclusão estimável, o que equivale dizer que por enquanto não se sabe – nem a Ministra – quando é que esta estará em condições de avançar com a tomada concreta de medidas que emendem e melhorem o modelo ou modelos de administração prisional.

O anúncio destas duas auditorias é revelador da sagacidade da Ministra, nas circunstâncias. Na prática corresponde a adiar e dar-se tempo para a tomada de decisões orgânicas e funcionais, sem o fazer transparecer, sustentada numa racionalidade clínica basilar inatacável: observação, diagnóstico, terapêutica.

A administração prisional desde há muito que é objecto de relatórios internos e externos que retratam, directa ou indirectamente, aspectos críticos do seu funcionamento, que deixaram rasto na comunicação social e, por esta via, no público. Os relatórios da Provedoria de Justiça e da Amnistia Internacional constituem exemplos mais conhecidos.
Não é crível que a Ministra da Justiça não possua já informação recente e sustentada que lhe permitiria, caso quisesse, tomar decisões menos distantes no tempo, sobretudo quanto a aspectos mais críticos do funcionamento dos serviços prisionais que vão saltando aqui e ali para o público, até pela voz dos seus próprios agentes. Parece revelá-lo o facto de a Ministra, na referida conferência de imprensa, ter aludido à «situação complicada, inimaginável» que foi encontrando desde que assumiu a pasta.

Um desses aspectos começa logo pelo gigantismo da Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais. Apresenta um sobredimensionamento que resulta do facto de há anos se ter colocado sob a administração prisional, além dos estabelecimentos prisionais para imputáveis (adultos e menores de 18 anos), como se a grande e consabida complexidade desses estabelecimentos não bastasse, também os centros educativos para jovens sujeitos a medidas tutelares educativas (outrora, com outro nome e âmbito, organicamente dependentes de uma direcção-geral própria), também os serviços de monitorização electrónica e também os outros serviços que antes eram da competência específica do Instituto de Reinserção Social, criado na esteira do Código Penal de 1982 ainda em vigor, segundo a perspectiva bem fundada de que a reinserção social de sujeitos a penas e medidas se opera mais favoravelmente por agentes de organismo totalmente independente da administração prisional.

De novo no centro da atenção, talvez venha a operar-se uma revisão de fundo e mesmo até uma reversão do modelo de administração prisional de forma a recentrá-lo no que especialmente lhe é próprio e dele desprenda o que não beneficia de uma concentração contra-natura e forçada.

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