No último texto de opinião manifestei o meu respeito e a minha admiração pelo clérigo Mario Bergóglio, enquanto Papa Francisco, chefe supremo da Igreja Católica. Este meu sentimento poderá ter leituras variadas, desde logo pelos religiosos (católicos ou outros) mais fundamentalistas que poderão sentir repulsa pelo facto de um ateu admirar o Papa, por estarem convencidos de que a Religião é uma coutada privada da fé, interdita a quem não comunga dessa mesma fé (e também pode ser mal interpretado por ateus que detenham idêntico sentimento fundamentalista).
Para um religioso que assim sente, um ateu não passa de um ser menor, não lhe merecendo qualquer respeito. É uma atitude que não me merece nada mais do que um sentimento de pena por quem assim se comporta numa sociedade que só pode atingir a maioridade quando composta por cidadãos detentores de opiniões diversas, com mente aberta e atentos às diferenças comportamentais e de pensamento que, por serem lícitas, merecem ser respeitadas, tal como eu respeito a memória e atitudes do Papa Francisco, bem como quem o adora para além do Homem que foi. (O meu respeito pelas diferenças de pensamento tem uma ressalva. Na lista não entram ideologias nazis nem xenófobas).
Ao iniciar esta escrita veio-me à mente um outro exemplo de respeito pela figura de um Papa, o qual quero registar aqui.

O Papa João Paulo II faleceu no dia 2 de Abril de 2005. Então eu tinha saído do Jornal de Notícias havia cinco anos, tendo-me dedicado ao teatro (uma paixão antiga mas que não podia concretizar porque, em termos horários – tarde e noite – a actividade teatral se sobrepõe à de jornalista). Liberto do jornal no ano 2000 fui convidado pelo autor e actor Lopes de Almeida, que dirigia a companhia residente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto – encenando uma revista por ano, para as quais eu criava o lettering e a ilustração do pano da fachada e do programa – para fazer parte do elenco. As revistas estreavam no palco do Sá da Bandeira em Dezembro, e aí se mantinham até Fevereiro, altura em que a companhia partia em “tournée” pelo país, aos fins-de-semana, até Junho.
Naquele dia de Abril de 2005, representavamos a revista “Vira o Disco e Toca a Mesma” num teatro de uma cidade que não recordo qual. Soubemos da morte do Papa momentos antes do início do espectáculo e eu sugeri a Lopes de Almeida que abrisse o espectáculo com todos os actores e técnicos em cena, e convidasse os espectadores para cumprirem um minuto de silêncio em memória do Papa João Paulo II.
A minha ideia não foi acolhida de imediato. Lopes de Almeida, sendo profundamente católico, não a considerou num primeiro momento… mas, em reunião nos bastidores, toda a companhia considerou devermos fazê-lo. Assim se fez, os assistentes daquele espectáculo aderiram à homenagem, e João Paulo II mereceu um forte e longo aplauso antes de serem apagadas as luzes da sala, da abertura do pano e da entrada do corpo de baile ao som da marcha que dava início à representação.
A parte curiosa desta cena estava reservada para o final do espectáculo. O meu colega Manuel Monteiro, actor e radialista (foi a voz da Rádio Festival durante vários anos) comentou: “Foi um ateu que se lembrou de homenagear a memória do Papa no momento da sua morte!… Nunca pensei que isto pudesse acontecer.”
O seu espanto levou-me a dizer que o ateu sabe da inutilidade da figura do Papa na sua filosofia de vida enquanto ateu… mas também sabe que o mundo não é só dele nem dos seus correligionários na filosofia ateia. O Papa, quer os ateus queiram, quer não, é uma figura que representa uma moral religiosa com muita força na História do Pensamento Português, cujos crentes merecem respeito, não só como seres humanos que são, iguais a qualquer ateu, mas também no respeito pelas suas convicções religiosas, ou outras (muitos dos religiosos é que não sabem desta igualdade que nos nivela!…) o resto… acontecerá logo que o religioso entenda o ponto de vista do ateu e que a Religião não é uma coutada privada).
Este respeito devido pelos ateus aos religiosos, tem a sua reciprocidade… também é devido pelos religiosos aos ateus… e não é sinónimo de desrespeito nem de silêncio. Todos temos o direito e a obrigação de expormos o nosso pensamento, mesmo quando não alinhados pelo pensamento de uma maioria. O que não devemos é ultrapassar a linha vermelha do respeito devido ao outro, sem se chegar ao insulto, e nem pretendamos calar “quem não pensa como eu quero que ele pense”!… Esse é o sentimento dos ditadores… e há meio século que nos libertamos do último que tivemos no poder em Portugal.
Vamos conservar a Liberdade de Pensamento neste momento eleitoral, votando por ela contra qualquer forma de ditadura… que anda por aí meio camuflada pela capa da Democracia que lhe dá guarida e todos os dias nos ameaça, mais concretamente agora, nas eleições que temos à porta, nas quais temos de ter em conta a eliminação das ideias daqueles que fazem a “ressalva” referida mais acima.

Jornalista/Cartunista