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Quinta-feira, Abril 24, 2025

Associações : “filhas de um deus menor” – Por Jorge Santos

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O associativismo em Portugal anda pelas “ruas da amargura”. Não surpreende que a democracia padeça de moléstias várias. Afinal, ambas– associações e sociedade – são um dos pilares do mundo livre.

No meu percurso de vida, nos afazeres diversos, nos locais por onde passei, o associativismo fez parte das prioridades. Havia sempre, no horário, um “quadradrinho” marcado a preto, para as atividades cívicas. Para o voluntariado. Sério! Sem quaisquer fins pessoais em vista. Fossem quais fossem, financeiros incluídos, claro. Desde as associações de estudantes, ao desporto, à cultura, passando pela política, nunca deixei de participar. E nunca ganhei um cêntimo! O dinheiro angariado tem de ser para o crescimento da instituição. Defendo eu.

Não, não sou rico. Felizmente, nunca fiquei sem trabalho e isso foi permitindo partilhar com as associações em que participei. Porque sem associativismo, perdemos a liberdade. E eu não sei vier sem ela. A experiência até 1974, abril, foi suficientemente sufocante.

O associativismo livre (é redundante, eu sei, mas a sociedade também o era) foi uma das conquistas do 25 de Abril, uma vez que estava proibido pelo Estado Novo. Através dele, muita gente aprendeu a ler e a escrever; a cultura chegou aos pontos mais distantes de um país fortemente centralista e inculto. Os debates, a troca de conhecimentos, o lazer. O associativismo passou a ser essencial, o “combustível” para uma luta contra a manipulação e a ignorância. E autoestrada para percebermos que todos precisamos de todos. A solidariedade floresceu como os cravos em abril. Substituiu a hipócrita “caridadezinha”.

Nesse tempo, tão recente e tão longínquo, as palavras tinham uma força imparável. Voluntariado, solidariedade, inclusão social não eram retóricas. Quem podia, ajudava. Sem querer nada em troca. E o mundo “pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”.

Hoje, numa democracia travestida, manipulados por falsos órgãos de comunicação, com a ganância a intoxicar consciências, a cegueira do dinheiro fácil, as redes sociais como pressão; e uma chusma de programas televisivos, supostamente recreativos, pregam-nos  aos ecrãs, constroem robôs humanos e anulam-nos como  pessoas. Torna-nos incapazes de pensar. Totalmente subjugados pelos poderes mais absurdos. Que só cria desempregados, gente sem casa e casas sem gente. O dinheiro, esse, falta sempre para quem é necessário – as pessoas. Mas nunca para as grandes instituições financeiras e multinacionais.

E é aqui que fazem falta as associações! Mas o povo está tão anestesiado com “big brothers” e similares que não sai, nem para um copo de tinto no café da esquina. Fica preso aos ecrãs. Preso, no sentido real do termo.

E os que conseguem libertar-se dessa nebulosa social, cientes da importância que tem o associativismo e o voluntariado, encontram pela frente diversos muros de betão. A primeira dificuldade é conseguir trazer gente para as causas – a pergunta é sempre a mesma “e quanto é que vou ganhar?”. Depois, os custos administrativos. Como é que uma associação, sem fins lucrativos (redundância, de novo) pode pagar ao estado cerca de 500 euros para constituir-se?

E a tarefa surreal  na abertura da conta bancária? – obrigatória por lei. Os bancos recusam. E podem fazê-lo, não são punidos por isso. Não lhes interessa ter associações no rol de clientes e fazem tudo para afugentar os associativistas que precisam (por lei!) de abrir uma conta. Nem a Caixa, que é do Estado, facilita. Valha-nos alguma compreensão do Montepio Geral!
E desengane-se quem pense que sempre foi assim. Não, não foi.

Às vezes, apetece perguntar a essa gente mais antiga do poder económico e político se ainda se lembra, quando estudou, o que quer dizer “sem fins lucrativos”. Aos mais novos, não vale a pena, porque os “gigantes do mundo”, os censores do século XXI , já retiraram a frase dos compêndios.

A seguir, a associação precisa de uma sede. Não há! Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia não têm salas disponíveis. Curiosamente, recuperam “casas senhoriais” e, em vez de pô-las ao serviço das pessoas, estendem, para lá, os serviços municipais, com todos os confortos necessários e desnecessários. A maioria das vezes, só para ostentação. Para o cidadão que vai tratar de um assunto burocrático, pouco lhe importa se é atendido num palácio ou num gabinete. Quer eficácia. E essa…enfim…

Os nossos impostos pagam tudo isso, todas essas mordomias; não chegam, no entanto, para pagar simples espaços para as nossas próprias atividades sociais, voluntárias. E que visam, tão-só, exercer a cidadania. Ajudar pessoas. Nem que seja para ajudá-las a pensar (será esse o busílis da questão? )

E mais confrangedor – devia envergonhar os autarcas e políticos que o fazem – é ver organizações, supostamente independentes, presas com “nós de marinheiro” às autarquias locais. Têm tudo o que precisam, dinheiro incluído, menos liberdade. Abusar desse poder, além de imoral, denuncia uma tremenda falta de caráter. E abre o caminho à corrupção.

Os que não se vendem, os verdadeiros associativistas, voluntários, são tratados como párias. Tudo lhes falta e nada lhes dão. Os mais resilientes, lá vão andando. Os outros, ficam pelo caminho. E a sociedade é que sofre, para gáudio de quem mexe os cordelinhos sociais.

A conclusão é simples. Aos poderes instalados, sejam quais forem, não lhes interessa massa crítica. Ao invés, querem um rebanho de seguidores, de olhos vendados e cérebros inertes. O que nos conduz a um caminho perigoso. Muito perigoso.

E enquanto não conseguirmos libertar esse rebanho, sofremos todos. Eles, nós, a sociedade, a democracia e a liberdade. Nem agimos nem pensamos. Infelizmente, estamos sob uma “neo-censura” e “neo-ditadura” da expressão do pensamento. A “nova esquerda” e a “nova direita” pretendem transformar-nos em imbecis uteis. E só o associativismo pode mudar o paradigma. Para criar equilíbrios, moderação e opinião. Virar o rumo, afinal.

Acordemos e associemo-nos! Não deixemos morrer a liberdade.
Está presa por um fio…


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