Quem no Palácio Real de Caserta, em Nápoles, se der ao prazer de percorrer até ao seu termo a comprida Via d´Acqua, vai deparar com dois belos grupos escultóricos, enquadrando entre si uma cascata.
Chamam-lhe a Fonte de Diana e Actéon, com razão. No grupo da direita, para o observador virado para a cascata, a indignada e vingativa deusa Diana está rodeada de ninfas, algumas das quais a ajudam a tapar a sua nudez, depois de ter sido surpreendida no banho pelo imprudente caçador Actéon. Outras ninfas observam com terror o que sucede no grupo ao lado.
Nesse grupo à esquerda, Actéon luta desesperadamente contra o ataque fatal dos seus cães que não reconhecem o dono no veado em que Diana, por castigo, o transformou, ao atirar-lhe água para o rosto, quando não conseguiu ter ao alcance da mão as suas armas de caça. Os escultores pouparam-nos à crueza do desfecho: o caçador foi caçado e despedaçado pelos seus companheiros.
Estes grupos escultóricos da bela fonte setecentista, realizados por vários artistas segundo o modelo concebido por Tommaso Solari, ilustram um episódio mitológico também narrado por Ovidio, no Livro III das Metamorfoses.
Um dos encantos da Mitologia reside no facto de conseguir espelhar a crueza da realidade através de narrativas fabulosas que oscilam, pendularmente, entre sonho e pesadelo.
A aniquilação punitiva de Actéon, por ter ofendido o pudor de Diana (ou de Artemisa, para os gregos), faz pensar, na actualidade, nas situações em que, mesmo em estados de direito democráticos, suspeições de infracção dão lugar a reacções sociais desproporcionais, tomadas e aplicadas sem que seja dada ao suspeito a oportunidade de se defender do que pode ser uma calúnia, de ter um julgamento justo, em conformidade com a lei, e de expiar a pena aplicada.
Conhecida apenas a suspeita, tende a dar-se-lhe o valor de um julgamento antecipado e quantas vezes isso acarreta a exposição pública, a rejeição dos pares e dos próximos que deixam de reconhecer o suspeito, ostracizando-o, aniquilando-lhe a carreira profissional e a vida, sem excluir a afectiva.
O tempo da justiça é muito mais lento do que agora o do curso dos dias e mal permite atentar e perceber que há mais desfechos destruidores como o de Actéon, no domínio do simbólico, do que se conceberia admitir.
Jurista