Quem não se lembra do célebre Tommaso Campanella – que conviveu com Galileu e Giordano Bruno – quando em 1602 escreveu que o mundo é uma gaiola de loucos?
Dito isto, a perceção de que o “mundo está louco” não é nova, ou seja, tal ideia sempre esteve presente nas várias reflexões humanas e consequentemente na respetiva literatura.
E vejamos, até podemos aceitar a premissa de que de louco todos temos um pouco, deixando de parte os nossos medos mais profundos e assustadores de entrarmos em loucura e perdermos o controle da razão sobre a nossa existência…
No entanto, não podemos aceitar é que haja necessidade em casos mais críticos, que deixe de existir uma resposta individual e social para tais situações onde as perturbações ou doenças do foro mental não tenham respostas pelo menos aos níveis mais básicos.
Conforme defendia certo dia um célebre psiquiatra das terras de Vera Cruz, o distinto Nise da Silveira, é necessário ter respostas, perceber tais realidades de várias formas e relacionar essas mesmas com as diferentes consequências que tem proporcionalmente em nós e entre nós.
Continuava o especialista que é necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade…
E vamos então falar de realidade, ou seja, faz precisamente neste momento um ano que terminou o internamento perpétuo em Portugal, tendo sido libertados 151 inimputáveis cujo retorno dos mesmos ao sistema de saúde não há registos.
Fora esses casos, existem ainda 259 inimputáveis em clínicas de psiquiatria do sistema prisional e 180 em hospitais psiquiátricos públicos…
Aqui chegados temos conclusões a retirar, ou seja, como foi este ano de mudança face à nova lei, e se consequentemente das 500 vagas residenciais previstas no PRR para desinstitucionalizar doentes internados sempre saíram do papel?
Na verdade, a mudança fez sentido, pois Portugal tinha queixas recorrentes do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura pela violação dos direitos humanos das pessoas internadas nas unidades de segurança. Ou seja, muitas mantinham-se depois de cumprida a medida de segurança, porque lhes ia sendo renovada a medida. E falamos de internamentos de décadas…
Por outro lado, a lei não resolveu o problema principal que era não haver estruturas na comunidade, onde continuam a haver altas adiadas face à ausência das tais respostas.
E mesmo quando há respostas, muitas destas pessoas acabaram por ir para estruturas residenciais para idosos pagas pela Segurança Social ou para quartos pagos por familiares, mas sem um apoio familiar específico e continuado…
A conclusão pode ser analisada de dois pontos de vista, ou porque a lei é recente e ainda estamos numa fase de adaptação, ou noutro prisma, formulou-se tudo mas esqueceu-se de prever o mais importante: a resposta por parte de instituições de acolhimento ser quase ausente!
O certo é que temos que trabalhar nas unidades de transição ao nível das várias instituições já existentes ou outras possíveis a repensar para este caso particular.
Como iniciativa a saudar, vamos acreditar que grupos como aquele criado este ano em abril – Grupo de Análise, Monitorização e Acompanhamento – devem ser uma referência na procura de respostas ajustadas a cada um dos processos e avaliá-los continuadamente…
Mas falamos de outro ponto igualmente importante: a possibilidade de doentes dizerem antecipadamente que tipo de tratamento aceitam!
Com esta alteração legislativa fala-se em tratamento involuntário de pessoas com doença mental – que só pode ser acionado para prevenir ou eliminar algum perigo para bens pessoais ou patrimoniais, se for proporcional à gravidade da doença mental, ao grau de perigo e à relevância do bem jurídico.
E também neste caso, alguns problemas e inconvenientes surgem, nomeadamente, ter que se esperar que haja uma situação de perigo para poder intervir.
Logo, duas coisas podem acontecer, ou algo grave pode ocorrer para o próprio ou para terceiros, ou o seu estado clínico deteriorar-se…
Portanto, assiste total razão à psiquiatra Sofia Brissos – psiquiatra no pólo Júlio de Matos da Unidade Local de Saúde de São José, em Lisboa – quando defende que, mais uma vez o próprio tratamento pode estar colocado em causa e apenas corroborar a perceção dos demais de que só valerá a pena tratar dos perigosos.
E assiste igualmente total razão em defender-se que a aposta deve incidir a um nível comunitário, de um modo precoce, logo ao nível da intervenção em fases como a adolescência e até ao nível das próprias instituições escolares.
Voltamos ao início, porque em tudo na vida, o princípio é fundamental…. Como estamos e como deve ser tratado este tema em que essencialmente o que se trata é de uma alienação em relação aos factos, isto é, à realidade, a falta de senso ou juízo e os desvios comportamentais às regras da normalidade…
Logo, tal posição deve ser vista pela ótica da racionalidade e de um enquadramento ajustado a cada sociedade especifica, ideias estas já defendidas em meados do século XVIII pelas influências iluministas, e não retroceder ou entregar-se à mercê dos deuses, como defendia o poeta Homero quando afirmava que os homens não passavam de seres manipulados por tais seres superiores e assim possuídos consequentemente …
Questiono novamente se atualmente seremos ou andamos todos loucos? A resposta fica ao critério de cada um….
Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário