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Segunda-feira, Outubro 6, 2025

Saber sair – Por Rui Rodrigues

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É o instinto que nos prende ao conhecido, ao previsível, ao que ainda nos parece seguro. É a tentação de prolongar uma história que já terminou, alimentando a absurda esperança de que o final possa mudar pela simples força de vontade. Mas, chega um momento em que a insistência deixa de ser persistência e passa a ser degradação. E, nesse momento, não é apenas o lugar que se perde. É a reputação que se compromete. É uma historia que se apaga.

Nem sempre a saída de uma organização é fruto de intrigas ou de um golpe de bastidores, muito bem orquestrado. Nem sempre existe um vilão a quem apontar o dedo. Muitas vezes, existem apenas ideias diferentes, prioridades que já não coincidem com as nossas. E, nessas circunstâncias, é preciso ter a clareza, a visão, e a coragem de reconhecer que já não fazemos parte do futuro que está a ser construído.

É preciso resistir à tentação de transformar esse momento num triste espetáculo de vitimização.

A verdade é que há organizações que agem com mesquinhez, ou melhor, pessoas que ocupam cargos de liderança em organizações, que escolhem o covarde caminho de desgastar em lume brando. Que se preocupam ativamente com o trabalho constante no sentido da criação de desconforto até que a saída aconteça por iniciativa do próprio profissional.

Já passei por isso.

Sei bem o que é sentir que o tapete se afasta debaixo dos pés, não por erro próprio, mas porque alguém decidiu que a nossa presença já não é conveniente.

Ainda assim, devemos ter a noção de que há saídas que não carregam esse peso da injustiça. Há momentos em que se trata simplesmente de mudança. E nesses casos, prolongar a estadia apenas para “bater o pé”, é uma desastrosa estratégia. É confundir o protagonismo com a relevância. É trocar o valor de todo o trabalho realizado, pela amargura de não aceitar que o ciclo chegou ao fim.

Quem sabe sair preserva a sua dignidade. Mantém portas abertas. E carrega em si a confiança na noção de que existem outros mundos para explorar. Mundos inteiros, cheios de novas oportunidades que nunca teriam surgido, se tivéssemos insistido em ficar onde já não havia espaço para crescer.

Ficar para sabotar, para “mostrar quem manda” ou para expressar o sentimento de desagrado, nunca será uma vitória. É autodestruição. É perder a memória do que foi construído, a honra acumulada ao longo dos anos, a rede que demorou tempo e esforço a consolidar. E, é, acima de tudo, perder a capacidade de reconhecer que a mudança, por vezes, é apenas e simplesmente mudança, e não um ataque pessoal. E não. Não se trata de aceitar injustiças de cabeça baixa. Trata-se de medir o custo da energia gasta face ao impacto que isso terá no futuro.

Algumas lutas não foram feitas para serem ganhas. Foram feitas para serem abandonadas em tempo útil, antes que se transformem em guerras estéreis que tudo consomem à sua volta.

Se não te querem, não peças para ficar. Se não queres ficar, não uses o tempo que resta para destruir o que foi bom. Sai de cabeça erguida. Com elegância. Com a consciência tranquila de que quem sabe sair, sabe também entrar noutros lugares. E que esses lugares, mais cedo ou mais tarde, vão aparecer.

O mundo não se esgota numa porta que se fecha.
Se não formos capazes de ver isso, então o problema não está em quem fechou a porta.

Está na incapacidade de atravessar a próxima.

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