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Segunda-feira, Março 24, 2025

Onofre Varela expõe 60 anos de talento artístico e intervenção social

Está patente ao público, no Ateneu Comercial do Porto, até final do mês de junho, uma exposição de Onofre Varela, intitulada "60 Anos de Carreira Artística". Além dos trabalhos mais conhecidos do autor, como os cartunes e caricaturas, podem ser vistos também outros e uma diversidade de traços e estilos. Todos os dias entre as 10:00 e as 20:00, excepto aos domingos.

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Foto de ANTÓNIO PROENÇA

60 anos de carreira, que não corrrespondem aos anos em que efetivamente trabalhou. Onofre Varela explica.

60 anos porque são contados a partir da primeira exposição que fiz, em dezembro de 1964; mas a minha atividade começou aos 13 anos, como aprendiz de tipógrafo e litógrafo. Ou seja, somando mais esses 7 anos, são 67 de trabalho.”

Esta mostra, em que podem ser apreciados cerca de 40 trabalhos do artista, surgiu por um acaso, mas ainda bem, uma vez que, deste modo, podemos ver outro tipo de composições do autor – no género, no traço e no estilo. 

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Foto de ANTÓNIO PROENÇA

Esta exposição acontece porque o presidente do Ateneu desafiou-me para isso, mas que não fosse só caricatura e cartune, mas outros trabalhos que as pessoas não conhecessem. Por isso tenho aqui uma diversidade de traços, todos feitos por mim, cada um para a sua missão específica. Como comecei a trabalhar em tipografia e litografia, isso exigia muito rigor e muita diversidade. Habituei-me a executar vários tipos de desenho, até que cheguei aos jornais diários. E aqui, tudo o que é preciso fazer, já devia estar feito. Acostumei-me a desenhar depressa. Daí advém a diversidade de traço que por aqui encontramos.”

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Foto de ANTÓNIO PROENÇA

Onofre Varela tem a particularidade profissional, de ter trabalhado em todos os jornais da cidade do Porto, num tempo em que eram referência nacional pela sua qualidade quer gráfica quer jornalística. Os saudosos O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto, Notícias da Tarde e, claro, nos sobreviventes Jornal de Notícias e O Jogo.

Trabalhei em todos. Comecei em 1969 n’O Primeiro de Janeiro e terminei em 2000 no Jornal de Notícias, quando me convidaram para a reforma antecipada. Pelo meio passei pelos outros todos, como maquetista gráfico.”

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Foto de ANTÓNIO PROEÇA

Mas não foram só os jornais “sérios”. Onofre Varela tem uma veia humorística – se calhar não é só uma … –  que o levou a que desenhasse para outro tipo de publicações.

Colaborei com muitos jornais de humor que se fizeram no Porto – “O Chato”, “O Olho”, “A Pantera”. Depois de terminar o serviço militar, em África, colaborei com uma agência que fazia as peças humorísticas para a “Crónica Feminina” e outras revistas do género.” 

Uma descoberta

Esteve na Guerra Colonial, sem possuir qualquer espírito militar, “estive porque fui obrigado, caso contrário não ia.” Aí, para “matar”, não pessoas, mas o tempo, revelou a sua faceta de actor e humorísta.

Em Angola fiz uma coisa que agora está na moda, a “Stand Up Comedy”. Foi em 1965/66/67 na mata do norte do país para população militar e civis. Sem a mínima  ideia do que estava a fazer, por que este tipo de humor só começou a ser conhecido recentemente, talvez nos últimos 20 anos. No entanto, eu já fazia isso em 1965. Havia um espetáculo que tinha o nome de “Amor com Humor”; curiosamente, há uns tempos, deparei-me com uma notícia num jornal, a dizer que em Lisboa havia um grupo que fez uma coisa com esse título. Que eu já tinha feito em Angola nos anos 60!…”

Também trabalhou em agências de publicidade, onde criou logotipos para diversas marcas, há mais de 60 anos. Hoje, depara-se com “bonecos” que fez nesse tempo, como se fossem criados hoje. A Transtejo é um dos exemplos.

Na agência de publicidade, em Lisboa, concorri com um “boneco” a um concurso público para um logotipo da Transtejo. E quando há greve nessa empresa, vejo aqueles “tês” que eu criei. Foi o primeiro prémio. E só eu é que sei que aquilo foi feito por mim.”

Arte e ritmos

Ao corrermos a exposição, a diversidade é imensa, tal como os materiais utilizados. Óleo sobre tela, lápis, guache, banda desenhada, caricaturas. Muita preocupação social nos bonecos, legendas e cartunes, mas a pitada de humor marca sempre presença. Varela une Com mestria a arte pura com  humor. Mesmo quando a mensagem é dura e crua. 

“Eu faço isto como um trolha constrói uma parede de tijolos. Se eu tentasse  construir uma parece , ela ia cair de certeza absoluta. Isto é fruto de uma técnica. Ainda estudei pintura, mas por pouco tempo. O que aprendi foi na “tarimba”, nas oficinas e nas Redações.”

Rogério Gomes, presidente do Ateneu Comercial do Porto deu as boas vendas ao artista e leu uma carta enviada pelo professor e jornalista Luis Humberto Marcos, antigo diretor do Museu de Imprensa, a felicitar Onofre Varela.

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António Vilaverde. Foto de ANTÓNIO PROENÇA

António Vilaverde, na companhia da sua viola e belíssima voz, cantou algumas canções francesas, tendo começado, naturalmente, pela imortal e “artística” “La Bohème”, de Charles Azanvour, sem esquecer também Edith Piaff e a clássica “Rien de Rien”. Um enquadramento perfeito para o evento.

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Onofre Varela fala a “O Cidadão”. Foto de ROSA MARIA ARANHA

Sobre Onofre Varela

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Autorretrato. Foto de ANTÓNIO PROENÇA

Onofre Varela nasceu no Porto em 1944 e iniciou-se no mundo do trabalho aos 13 anos como aprendiz de tipógrafo. Quatro anos depois era aprendiz de desenhador litográfico, quando a litografia era mesmo Lito… grafia (desenho sobre pedra calcária) e estudava Pintura na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, no Porto, em aulas nocturnas com o estatuto de trabalhador-estudante (foi “atropelado” pela Matemática não passando do terceiro ano!)

Aos 20 anos, ao serviço do Exército, foi enviado para a Guerra Colonial na frente norte de Angola (Dembos e Zaire, de Dezembro de 1965 a Fevereiro de 1968).

Ofereceu colaboração à revista semanal Notícia, publicada em Luanda e em Lisboa, para a qual fez Banda Desenhada (BD) inserida no suplemento infantil Pica-Pau. Criava a história, os personagens e desenhava sobre uma prancheta colocada nos joelhos sentado na cama da caserna. De Março de 1966 até meados de 1968 publicou cinco histórias: Delfim dos Bosques (uma sátira a Robin dos Bosques); Os Pés Descalços (aventura com índios e cowboys); O Fantasma da Meia-noite e Vinte (aventuras de um fantasma num castelo medieval); Tadeu & Côco (um pirata com o seu papagaio numa história de espionagem) e Golias o Trovador (com acção na Roma antiga).

Regressado da guerra foi criativo gráfico em litografias e agências de publicidade. Iniciou colaboração eventual com o jornal O Primeiro de Janeiro em 1969, passando ao quadro em 1978. Em 1970 deslocou-se a Paris e a Bruxelas com uma lista de editores de BD fornecida por Vasco Granja. Avistou-se com o argumentista Claude Moliterni em Paris e com os chefes de redacção das três principais revistas de BD franco-belgas: Tintin, Spirou e Pilote, em Bruxelas. No regresso da sua infrutífera viagem trocou correspondência com Hergé.

Publicou BD e/ou ilustração, caricatura e cartune nos jornais: O Primeiro de Janeiro, Notícias da Tarde, O Jogo, Jornal de Notícias, O Comércio do Porto, O Olho, A Pantera, O Chato, Domingo Liberal, O Progresso de Gondomar, Gazeta de Paços de Ferreira, Soberania do Povo, O Trevim, Correio Alentejo, O Gaiense, Jornal Grande Porto (depois transformado em revista mensal), semanário Alto Minho e nas revistas Flama e Crónica Feminina (na década de 1960), Encontro (suplemento de fim-de-semana do jornal O Comércio do Porto), Campismo e Caravanismo, Interviú (edição espanhola, no suplemento satírico A Las Barricadas), Mundo de Aventuras e O Tripeiro. Desenhou em directo na RTP (Canal 1) no programa da manhã Às Dez (1986-1988), e na RTV Regiões (2013).

No campo da ilustração, caricatura e criação de logotipos, recebeu vários prémios e menções honrosas em Portugal, Espanha e EUA (ONU). Em 1998 recebeu o título de “Profesor Honorífico del Humor” concedido pelo reitor da Universidade de Alcalá de Henares, Madrid; em 2001 recebeu o Troféu Carreira, da Caricaturartes, Seixal; em 2012 foi galardoado no Amadora Cartoon, e em 2014 foi homenageado na IV Bienal de Humor Luís d’Oliveira Guimarães, em Penela.

No campo cultural (a nível regional), em 2003 a Junta de Freguesia de Rio Tinto atribuiu-lhe a Placa de Mérito Cultura e Artes pelos relevantes serviços prestados à cidade de Rio Tinto; em 2016 recebeu a Placa de Reconhecimento do Clube Gondomarense; e em 2017 recebeu a Medalha de Mérito da Cidade de Rio Tinto, pelas Juntas de Freguesia de Rio Tinto e de Baguim do Monte.

Saiu do Jornal de Notícias para a situação de “reformado antecipadamente” em Agosto de 2000, e fez uma formação de “Ilustrador da Natureza” no Parque Biológico de Avintes.

Abraçou o Teatro de Revista como actor, na Companhia do Teatro Sá da Bandeira com interpretações em três Revistas: 2001 – Odisseia do Carago; Quem Não Chora Não Mama e Vira o Disco e Toca a Mesma (2000-2003). Recebeu formação de actor no TEP (Teatro Experimental do Porto) e desempenhou papéis nas comédias Aqui Há Fantasmas e Vai Chamar Pai a Outro, na Companhia de Teatro Fundo de Cena (Matosinhos) e O Vizinho Toca Sempre Duas Vezes no Cale Estúdio Teatro (V. N. Gaia).

Como comediante assumiu a representação a solo adaptando o seu livro Cimbalino Curto a espectáculo de Stand up Comedy com teor social, tendo-o representado por todo o país, incluindo Açores (Velas, S. Jorge) em 2004.

À entrada dos 80 anos dedica-se à escrita e à actividade de palco com o seu grupo Quadrilha Jograis e de subdiretor do jornal “O Cidadão”.

Reportagem: Alberto Jorge Santos (Texto); António Proença ( Fotos e Vídeo); Filipe Romariz (edição e montagem vídeo)

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