Este ano, também eu fui apanhada pelo famoso Regresso às Aulas.
Depois de muitos anos a trabalhar numa escola que, entretanto, fechou portas, vi-me obrigada a repensar caminhos. Ponderei alternativas, avaliei possibilidades, até que surgiu uma oportunidade que não podia recusar.
Assim, iniciei o ano letivo numa escola nova: sala nova, edifício novo, regras novas, colegas novos. Tudo novo. O entusiasmo de recomeçar misturou-se com a insegurança própria de quem pisa terreno desconhecido.
O curioso é que, ao longo das primeiras semanas, percebi que estava a sentir exatamente aquilo que tantas vezes observo nas crianças: o frio na barriga, o enjoo matinal, a ansiedade, a necessidade de observar o que nos rodeia antes de agir.
E não, não é uma sensação agradável. Por momentos, senti-me perdida, como se tivesse ficado sem chão. Precisei de tempo para recuperar o equilíbrio, encontrar o meu lugar, sentir que pertencia àquele espaço.
Essa experiência levou-me a pensar nas crianças que todos os anos atravessam estas mudanças. Para elas, tudo é ainda mais intenso. Não possuem os mesmos mecanismos de defesa que nós, adultos, vamos criando com o tempo. Muitas vezes, nem têm vocabulário para expressar o que sentem. E, no entanto, exigimos delas uma adaptação imediata, quase automática, como se fosse natural entrar numa sala nova, rodeada de estranhos, e agir com confiança.
Esquecemo-nos facilmente do que é estar desamparado, perdido, sem referências. Já não recordamos o desconforto dos primeiros dias de escola, quando cada olhar parecia uma avaliação e cada regra era um enigma. Por isso, tendemos a desvalorizar as emoções infantis, a reduzir as ansiedades a “manhas” ou “fases normais”. Mas para a criança, essas sensações são tudo menos passageiras: são reais, são físicas, ocupam o corpo e a mente.
Se eu, adulta, me senti assim ao recomeçar, como será uma criança enfrentar esse mesmo turbilhão, sem memória de superações passadas que lhe deem esperança? Essa pergunta acompanha-me todos os dias.
É urgente termos consciência de que o regresso à escola não é apenas uma data no calendário, nem um desafio logístico para famílias e professores. É, acima de tudo, um processo emocional profundo. Exige tempo, compreensão e paciência. Requer adultos atentos, que não apenas ensinem conteúdos, mas também escutem silêncios, percebam olhares e deem espaço ao medo.
O meu “regresso às aulas” inesperado devolveu-me esta consciência. Ao sentir na pele aquilo que tantas vezes passamos por alto, aprendi que o melhor que podemos dar às crianças não é apenas conhecimento — é segurança, empatia e a certeza de que não estão sozinhas quando o chão parece desaparecer.
Porque só quando nos lembramos de como é estar perdido, conseguimos realmente ajudar alguém a encontrar o caminho.
