Luísa Todi – a maior cantora lírica portuguesa de todos os tempos
Filha de um professor de música – Manuel José Aguiar – , nasceu em Setúbal, na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, a 9 de Janeiro de 1753.
Ainda na sua terra natal, entre 1758 e 1763, Luísa e três dos seus irmãos familiarizam-se com a arte de representação, frequentando a residência de uma dama setubalense que planificava espetáculos teatrais em privado. Com dez anos de idade, ingressou no teatro profissional por mão de seu pai. Por contrato firmado a 6 de Julho de 1763, Manuel José de Aguiar e quatro dos seus filhos mais velhos (Cecília Rosa, António José, Isabel Ifigénia e Luísa Rosa) passavam a integrar a companhia do Teatro do Bairro Alto.
Convidada pelo Teatro do Corpo da Guarda, a cantora apresentou-se nesta casa de espetáculos do Porto entre 1771 e Janeiro de 1776, com uma interrupção no período compreendido entre Setembro de 1774 e finais de Janeiro do ano seguinte, em que, de regresso à capital, fez parte no elenco do Teatro da Rua dos Condes, compósito quase em exclusivo por artistas italianos. Em Lisboa, cantou apenas em Il Calandrano, saindo do Condes a meio dos ensaios de outra ópera cómica, em virtude da altercação com os corpos diretivos da Sociedade instituída para a subsistência dos Teatros Públicos da Corte… tinha um feitio daqueles!….
A última atuação de Luísa Todi em salas públicas do território português ocorreria na cidade do Porto, em 1775.
Antes disso, em Junho de 1772, os frequentadores do Teatro do Corpo da Guarda puderam testemunhar o seu desempenho em Demoofonte, uma ópera do género sério a que melhor se ajustava, para as suas características canoras.
Para trabalhar e apurar os dotes vocais de Luísa, terá contribuído o próprio marido e, acima de tudo, outro napolitano, o compositor David Perez, seu mestre dos tempos do Teatro do Bairro Alto e autor da partitura daquele Demoofonte de 1772.
Esse grande compositor e violinista napolitano, Francesco Saverio Todi, levou-a ao altar na Ireja Paroquial das Mercês, com a tenra idade de dezasseis anos…
Os Todi saíram de Portugal em 1777 a fim de Luísa atender a convites que lhe chegavam do país vizinho para se exibir em recitais privados, o que viria a suceder com relativa frequência em outros países ao longo do seu percurso artístico.
A estreia pública no estrangeiro só viria a ocorrer em Londres, no King’s Theatre (Haymarket), no mês de Novembro do mesmo ano de 1777. Aí actuou, até Junho de 1778, em seis “drammi giocosi per musica”. Após o preâmbulo londrino, começou a dedicar-se ao género operático sério, vindo posteriormente a pôr termo aos desempenhos na ópera cómica.
Durante vinte e dois anos, a contar de 1777, Todi construiu uma brilhante carreira internacional, acumulando sucessos de público e da crítica nas muitas cidades europeias.
Em Paris, partilhou o palco com outra artista deslumbrante – Gertrud Elisabeth Mara.
A rainha Catarina II da Rússia mimoseou-a com jóias fabulosas e a seu convite, viveu entre 1784 e 1887. Em gratulação, o casal Todi, escreveu para a imperatriz a opera «Pollinia». A sua intensa fama, levou-a à corte de Frederico Guilherme II da Prússia que lhe ofereceu os aposentos do palácio real e ainda um contrato para aí trabalhar, entre 1787 e 1789.
Quando da sua passagem por Mogúncia, Hannõver e Bona, foi ouvida por Beethoven e encantou o público de Génova, Veneza, Bérgamo, Turim e o Reino da Sardena. Quando em 1793, foi convidada para a futura corte de D.João VI, foi necessária uma autorização especial para cantar em público, pois na altura era proibido às mulheres cantarem em público… Em 1801 faleceu o seu grande companheiro de vida e o luto durou até á sua morte.
O trágico acidente de Ponte das Barcas, por ocasião das invasões francesas, levou-lhe as jóias e toda a fortuna. Valeu-lhe o reconhecimento como “cantora da nação” pelo General Soult dos exércitos de Napoleão, para soltar a sua família dos calabouços… as dificuldades económicas e a cegueira, foram a sua companhia até ao fim dos seus dias.
Em França participou em quatro temporadas dos “Concerts Spirituels” parisienses (1778-1779; 1779-1780; 1783, 1789) e realizou uma digressão pelo sul do país que se estenderia também a terras suíças (1779). Actuou em cidades austríacas (Viena, entre outras) e germânicas (1781-1782), tendo sido convidada por duas vezes para cantar na capital da Prússia, Berlim (1783-1784; 1787-1789). Na Rússia apresentou-se em São Petersburgo e Moscovo (1784-1787) ao serviço de Catarina II, a quem dedicou a “festa teatrale per musica” Pollibia (1784), com libreto da sua autoria. Após uma curta digressão nos Países-Baixos, durante alguns meses da primavera de 1790, Todi chegava a Veneza, no Outono desse ano, mas a sua estreia na Península Itálica tivera lugar na cidade de Turim, cerca de oito anos antes. A temporada veneziana (1790-1791) no Teatro di San Samuele, que registou um tão memorável triunfo a ponto de ficar conhecida como “Anno Todi”, marcava o início da digressão italiana da cantora, que a levaria a Pádua, Bérgamo (1791) e novamente a Turim (1791-1792).
Antes de concluir o périplo italiano, viajou até à Península Ibérica, a fim de cumprir um contrato para atuar num teatro madrileno por duas temporadas (1792-1793; 1793-1794). Entre estas duas estações teatrais, deslocou-se a Lisboa onde cantou na Real Casa Pia, a 14 de Maio de 1793, num espetáculo integrado nas festas pelo nascimento da infanta Maria Teresa, e participou, em Maio, num sarau no palácio de Anselmo José da Cruz Sobral. No dia 12 de Janeiro de 1799, Luísa Todi terá actuado pela última vez numa sala pública, na récita que coroava três temporadas triunfais (de 1796 a 1799) no Teatro di San Carlo. Foi isto em Nápoles, uma das mais importantes praças operáticas da Europa.
Ainda em 1799, os Todi regressaram a Portugal, fixando residência no Porto.
Em finais de 1811, Luísa, já viúva desde 28 de Abril de 1803, instalou-se definitivamente em Lisboa. Cerca de dez anos antes do falecimento, cegou por completo, derradeira manifestação de uma grave doença ocular que se declarara durante a temporada veneziana e já lhe fizera perder a visão de um dos olhos. Vitimada, ao que se sabe, pelas sequelas de um acidente vascular cerebral, faleceu no 2º andar do nº 2 da Travessa da Estrela (Rua Luísa Todi, desde 1917), artéria situada bem perto do local onde outrora se erguera a casa de espetáculos em que se apresentara pela primeira vez em público, o Teatro do Bairro Alto.
Anton Reicha, no seu Tratado de Harmonia, considera Luisa Todi como “cantora de todas as centúrias”, ou seja “uma cantora para a eternidade”. Com uma capacidade invulgar de perfeição vocal, considerada uma meio-soprano, a portuguesa mais célebre de todos os tempos, cantava em françês, inglês, italiano e alemão.
Setúbal não a esqueceu, tendo-lhe erigido um monumento com a sua efígie e dado o seu nome à principal artéria da cidade.
Músico