Portugal é fogo que arde (e que se vê). Faltando médicos, pelo menos que não nos falte a saúde. O que é difícil, dado que nos andam a envenenar. Isto no tempo de Salazar é que era bom. Será quer era mesmo?
1) Por estes dias, e enquanto parte considerável da mancha florestal no país sucumbe às chamas, corporações de bombeiros, autarcas e especialistas dos bons costumes reivindicam mais meios de combate aos fogos. A ladainha repete-se ano após ano, comprovando que pouco se aprendeu com o incêndio de Pedrogão Grande, em 2017.
Teimamos em correr atrás do prejuízo. Dá demasiado trabalho contrariar o regime da monocultura, a ausência de acessos, a negligência dos proprietários. Medidas preventivas? Logo se vê. Isto é tão lógico como concluir que a solução para acabar com a morte por afogamento dos migrantes passa por dotar os intermediários de embarcações mais modernas e seguras.
As expetativas são baixas. Sobretudo, quando há um primeiro-ministro a jurar que é tudo fogo posto e que o governo irá perseguir os criminosos. Podemos, assim, ficar muito mais descansados.
2) Todos os cidadãos têm direito à proteção da saúde. Tal é assegurado por uma eficiente cobertura de unidades de saúde, a nível nacional. É, pelo menos, o que está consagrado na nossa Constituição. Acontece que o António (chamemos-lhe assim) não goza deste direito. Motivo: nos últimos tempos não recorreu ao médico que lhe havia sido atribuído. Por conseguinte, está agora sem médico de família. E numa altura em que precisava dele.
O António só tem o que merece, pois incorreu no erro de não ter visitado o seu médico (nem que fosse para partilharem um chá). Nem teve sequer a astúcia de inventar um problema de saúde. O António agiu que nem um asno, pois pensou mais nos outros (que necessitam realmente de consultas médicas) do que nele. Resta-lhe recorrer a uma consulta de recurso. Agendou-a ontem. E, correndo bem, irá acontecer na segunda quinzena de dezembro.
3) Não tenhamos ilusões: estamos todos a ser envenenados. Basta olhar para os céus. Os rastos brancos deixados pelos aviões são, em bom rigor, descargas de agentes químicos ou biológicos que pretende colocar um ponto final na existência humana.
A referência ao fenómeno (“chemtrails”) não é de agora. Há mais de 30 anos que andamos nisto. Ou, analisando de outra forma, há mais de três décadas que nos andam a impingir esta ridícula teoria da conspiração. Hoje, e mais do que nunca, fala-se de desinformação, de verificação dos factos, da credibilidade das fontes.
O problema é quando são os próprios jornalistas a fazerem a defesa desta e de outras teorias conspirativas nas redes sociais. Num dos casos afirma-se que, à semelhança da pandemia por COVID (estrategicamente delineada por “grupos secretos que planeiam instaurar uma nova ordem mundial”), irá ocorrer um novo “lockdown”, já em 2025. Aguardemos, pois.
4) Com frequência – demasiada, até – há quem insista que no tempo de Salazar é que era formidável. Regra geral, este saudosismo masoquista é proclamado por gente de idade mais avançada, que não teve outro remédio senão comer o pão que o diabo amassou. Dá a sensação de que, se lhes foi restringida a liberdade, então as gerações mais novas também deveriam passar por isso.
A invocação ao Estado Novo é de tal forma convicta que transparece uma doce nostalgia pelas latrinas a céu aberto, pelas arcas salgadeiras de madeira, pelos colchões de palha e, grosso modo, pela miséria, pela censura e pelo autoritarismo. São pessoas que pararam no tempo dos televisores a preto e branco. E que acham que os homens só se fazem homens se forem à tropa.
Não vivi no tempo de Salazar – e desconfio que não apreciaria nem que perdi nada de especial. Mas se quem o viveu sente saudades à séria, sugiro Nay Pyi Taw como destino. Há voos a partir de Lisboa (4 escalas). Por cerca de 800 euros (só ida). Depois mandem notícias (se conseguirem).
5) Venha daí uma pitada de otimismo. Afinal, nem tudo é mau. Portugal, mesmo sendo como é, nunca deixou de ser aquilo que sempre foi. Paisagens deslumbrantes, boa gastronomia, praias notáveis. Um vastíssimo património que convida a explorar as nossas raízes. Temos carisma, diversidade, autenticidade. Até o clima nos abençoa. Um país pequeno, mas com muita história para dar e vender. Tudo isto a bons preços. Numa só palavra: paraíso. Que o digam os turistas ingleses, italianos ou chineses.
Jornalista