Nas últimas alterações legislativas destacou-se uma modificação de considerável importância ao nível das vítimas de crimes sexual e quanto à sua autodeterminação. Esta lei reforça a proteção das vítimas de crimes contra a liberdade sexual (Lei n.º 45/2023, de 17 de agosto, que altera a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) e o Estatuto da Vítima. As principais alterações são logo ao nível do próprio ato de denúncia de crime.
Logo neste momento, quando as autoridades competentes atribuem o estatuto de vítima, para todos os efeitos legais, tais medidas protetoras e promotoras dos direitos das vítimas da criminalidade são logo evidenciadas.
E no caso mais concreto, quanto à atribuição do estatuto de vítima do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal, nos termos da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual presume-se, até prova em contrário, que a vítima se encontra em situação de insuficiência económica.
Isto é, garantem-se à vítima a célere e sequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente, assegurando-se de imediato o acesso a aconselhamento jurídico.
De igual modo, o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz, exceto no caso do direito de queixa previsto no n.º 1 do artigo 178.º, que se extingue no prazo de um ano.
Pode. igualmente. o Ministério Público, quando o procedimento pelos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, dar início ao mesmo, no prazo de um ano a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe. Assim como, quem constranger por si só ou acompanhado, outra pessoa a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo é punido com pena de prisão até 5 anos.
Resumidamente, um dos aspetos que melhor demarca tais alterações levadas a cabo pelo legislador é o assegurar e priorizar o encaminhamento para/por técnicos de apoio às vítimas do crime de violência doméstica e de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Isto é relevante porque desencadeia uma resposta urgente e garantida às vítimas no regime de acesso ao direito e aos tribunais, com acesso imediato ao aconselhamento jurídico. bem como um apoio contínuo do técnico de apoio vítima.
Ou seja, as alterações ressalvam a necessidade de as vítimas de crime terem direito, com urgência, a um apoio especializado. A literatura indica-nos que ter este apoio especializado, como no caso o técnico de apoio á vítima (APAV), é um elemento essencial e mediador entre a vítima e o processo jurídico.
Este apoio especializado agiliza o processo-crime, esclarecendo e guiando a vítima no protocolo, empoderando-a e criando uma relação mais estável e confiante com o Estado. Porém, e mais importante, a urgência deste apoio é também um fator promotor do processo terapêutico que pela sua natureza será de longa recuperação.
A natureza intrusiva dos crimes contra a autodeterminação sexual, como o abuso sexual e o assédio, deixa marcas tanto físicas como psicológicas nas vítimas. É de maior importância perceber que as possíveis consequências que seguem estes atos como o trauma de longa duração, psicopatologias, baixa autoestima, dificuldade interpessoais, sono desregulado, aumento exponencial da probabilidade de suicídio e comportamento auto lesivos entre outros, nunca deveriam de ser descurados.
São situações delicadas que transtornam pessoas, mas não só, vidas. Pelo impacto e frequência que tem, quanto maior e continuado for o acompanhamento, mais ágil será a recuperação. A novas alterações vieram como fatores protetores que procuram direta ou indiretamente apaziguar as dificuldades processuais exigidas à vítima e, nesse sentido, também protegê-la da vitimização secundária.
Numa outra perspetiva, os técnicos de apoio a vítima e outros profissionais e peritos relevantes que poderão estar associados a este processo, passam por dificuldades de atuação no seu campo por falta de processos e protocolos estatais que os incluam como agentes ativos.
Havendo leis que vão destacando o trabalho destas organizações, peritos e técnicos, cria-se mais espaço de atuação e colmata-se as lacunas de recursos humanos que o estado apresenta, o que por si só, sempre se trata de mais um passo para melhorar as redes de resposta interventiva.
Com Catarina Pignatelli ( Psicóloga, Escritora e Investigadora)
Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário