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Sábado, Dezembro 2, 2023

Função Social da Banca e Estorno Contributivo

Em cada momento de crise económica e financeira que Portugal atravesse, os cidadãos, sem serem consultados, são obrigados a dar o dinheiro dos seus elevados impostos a fundo perdido aos bancos, com a “razão” de evitar uma crise sistémica no sistema financeiro.

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Jorge Mota Santos
Jorge Mota Santos
Consultor em Gestão Imobiliária

Assim, em momentos de crise, fortalecem-se os Bancos (accionistas) e enfraquecem-se os cidadãos individualmente e as famílias. Sempre que isto acontece, o mesmo também é dizer que o País, como um todo, empobrece.

Uma dessas crises recentes, deu-se com o pedido de falência de um dos cinco maiores bancos de investimento dos Estados Unidos da América (EUA); a 15 de Setembro de 2008, o Lehman Brothers  gerou, quase da noite para o dia, milhões de novos pobres em todo o mundo. Alguns desses, em Portugal.

A verdade é que, como os comentadores economistas nos vão lembrando, estas crises são cíclicas.
Obra do acaso? São porque são ou porque têm de ser?

Para este exercício, decidi olhar para o sistema bancário Português como uma “grande família”.

De acordo com o que nos vem sendo anunciado e comentado com regularidade, vivenciamos a sintomatologia de uma nova crise económica, apontada como consequência da Guerra na Ucrânia, a qual já se manifesta com dolo no orçamento dos Portugueses:  subida abrupta das taxas de juro (preço do recurso ao dinheiro). Passámos a ouvir falar, diariamente, de taxas variáveis, taxas indexadas, taxas fixas e do famoso “spread”.

O que é o “spread”? Na prática, é a taxa que representa a margem de lucro do banco, na operação de crédito que este celebra com o seu Cliente. Poder-se–ia pensar que representa o risco do banco no negócio, mas isso não seria verdade.

E os depósitos que o cliente faz,  também têm “spread”? Ou seja, o banco só ganha uma margem definida do negócio que faz com o dinheiro do cliente? E entrega a esse cliente o restante do ganho? Que seja do meu conhecimento, nenhum banco pratica este modelo.

Tendo por base o Parecer Sobre a Conta Geral do Estado 2021, entre 2008 e 2021, os cidadãos Portugueses prestaram auxílio económico de mais de 23 mil milhões de euros a bancos, todos de capital privado, com excepção da CGD, pertencendo o pódio ao BES/NB com mais de 8 mil milhões, ao BPN/Eurobic, acima de 6 mil milhões e a “nossa” Caixa Geral de Depósitos que superou os 5 mil milhões de euros.
Quadro 78 2008 a 2021 RTC

Estes mais de 23 mil milhões de euros, traduzidos em apartamentos T2, com um preço médio de 200.000€, representam perto de 116 mil habitações.

Pelos Censos de 2021, informação publicada pela Pordata, Portugal tinha à data uma população ligeiramente acima dos 10 milhões. Feitas as contas, cada um destes cidadãos contribuiu, indirectamente, com mais de 2 mil euros a fundo perdido, para ajudar os bancos. E neste grupo estão recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens, adultos (população activa empregada e desempregada) e toda a população já reformada.

Se avaliamos apenas a população activa, que em 2021 eram cerca de 5 milhões, então o valor da contribuição da cada um foi quase de 4.500€.

Indirectamente, pode dizer-se que cada cidadão que pague impostos neste país, deve ser visto também como um accionista, quer seja por via do capital injectado directamente nos vários bancos, quer seja por via de eventuais benefícios fiscais e colaterais financeiras prestadas pelo governo de Portugal.

Tendo em conta à data, esses montantes de capital investido nesses bancos, qual seria o valor das nossas acções hoje? Eu não recebi acções de nenhum desses bancos e até hoje também não recebi os meus dividendos.

Ora, é responsabilidade das Administrações desses bancos cuidar dos interesses de todos os “accionistas” do banco, os mesmos que lhes pagam chorudos prémios de gestão, montantes que os transformam socialmente reconhecidos como autênticos gurus empresariais.

É imperioso que em momentos de crise e, neste momento, a crise já está do lado dos cidadãos e das famílias, que o auxílio funcione em todos os sentidos, numa lógica de equilíbrio entre quem pode ajudar e quem precisa de ser ajudado. O modelo de “ganância”, a palavra do espanhol para definir o lucro, e em que todos eles operam, está incompleto. Falta-lhe Responsabilidade Social.

Crédito à Habitação

Nos contratos de crédito habitação com taxa variável indexada, o que acontece na realidade, é que o banco, por via da sua margem segura de “ganancia” – o “spread”-, transfere a totalidade do risco do seu negócio para o cliente. Quando a taxa de juro sobe, como tem estado constantemente acontecer, o negócio do banco não é tocado e até pode melhorar, dependendo das taxas de juro que o mesmo pratique na remuneração dos depósitos dos seus clientes. E que rentabilidade obtém, da diferença entre essas mesmas taxas e as ditas taxas Euribor? Ou seja, o banco não assume qualquer responsabilidade solidária com o risco do negócio. Para o banco, corre sempre bem! Soma ainda o facto de ter um activo real – o imóvel – por garantia.              

Agora, ao exagerado aumento do custo de vida, ao aumento dos bens essenciais, ao aumento dos combustíveis, da energia e tantos outros, juntam-se, ainda, as prestações de crédito à habitação, que em muitos casos, aumentaram quase para o dobro.

Os bancos deram uma ajuda! Aproveitaram o aumento da prestação, para diminuir de forma expressiva o valor da amortização do capital em dívida. Aumentando e beneficiando da parte corresponde ao pagamento dos juros, como forma de manter o “paciente ligado às máquinas”, enquanto se organizam, atempadamente, para o que aí possa vir.

Quer isto dizer que, cada cliente de crédito à habitação que na sua prestação esteja, praticamente, a pagar somente juros, e  não a amortizar o capital da dívida, mantendo-se este estado de coisas por mais algum tempo, o que o cliente deve hoje ao banco é quase o mesmo que irá dever no fim desse período (considere-se para exemplo cinco anos).

Por certo não foi exactamente isso que planeou quando decidiu comprar a sua casa, porque provavelmente no momento da sua decisão, o custo do dinheiro era muito mais baixo. Logo, a prestação do banco era mais barata, comparativamente ao arrendamento e terá provavelmente pensado “pelo menos estou a pagar para uma coisa minha”!

É o momento certo para os bancos reiterarem a qualidade das suas capacidades de gestão e apresentem, voluntariamente, propostas que resultem num Estorno Contributivo à sociedade, mostrando com total clareza, a sua vontade em exercer a sua Função Social.

É o momento de, sem necessidade de os bancos se enfraquecerem, e para isso basta ler os seus relatórios de contas mais recentes,  estes demonstrarem uma real, verdadeira e eficaz acção de fortalecimento do orçamento dos Cidadãos e das Famílias.

Na prática, significará a devolução ao mercado e aos seus “accionistas cidadãos”, de forma sustentável, todos os capitais mais juros, que receberam e ainda não pagaram. Esse dinheiro está a fazer falta na carteiras das famílias portuguesas para poderem pagar o aumento do custo de vida, onde se incluem as mesmas prestações de que os bancos são credores. No fim, esse capital vai sustentar a economia e voltar às contas dos mesmos bancos. Pelo caminho, poupamos milhares, senão milhões de novos pobres em Portugal e mais uma debandada de emigrantes, pessoas forçadas à falência e à separação física das suas famílias e amigos.

Formas de o fazer, enquanto a sociedade civil não apresenta ela própria mecanismos de solução, cabe ao governo eleito e aos bancos concertarem estratégias, nas quais, a qualidade de vida dos cidadãos, das famílias e a prevenção da sua falência, seja a preocupação central das decisões a tomar.

Apresento algumas sugestões:
Aumento dos prazos dos contratos; Possibilidade da sucessão da dívida; Conversão dos contratos de crédito com taxa variável, em taxa fixa aceitável e ajustada à capacidade dos clientes; Bonificações realistas das taxas, usando os capitais de que os bancos são devedores; Dar opção ao cliente de converter os contratos de mútuo por compra, em contratos de arrendamento por um período até 10 anos.

Algo que continuo sem perceber:
Portugal deverá ser o país da Europa no qual mais se praticam contratos de crédito em taxa variável. Onde o salário é, regra geral, de valor fixo, e as despesas gerais domésticas, desde que controladas, estão dentro de um intervalo constante, então, porque é que a prestação da casa tem de ser variável?

Desejo que desta vez os bancos em Portugal consigam estender a “outra mão” e não se cumpra a expressão, cujo autor é desconhecido, embora a sua autoria venha sendo atribuída a Mark Twain ou a Robert Frost:

            “Um banco é um estabelecimento que nos empresta um guarda-chuva quando está sol e nos tira quando está a chover.”

 

Não posso acabar este artigo sem fazer dois agradecimentos:

Um, ao grupo de atrevidos e corajosos que, embebidos de sentido voluntário, iniciaram o projecto jornalístico “O Cidadão”, regido pela liberdade de expressão e sem quaisquer amarras de subsidiodependência, tendência política, religiosa, económica ou outra;

Dois, a todos os que com estes participam e os que ainda virão contribuir com o seu tempo, partilhar o seu conhecimento, as suas ideias e suas opiniões, muitas vezes correndo o risco de serem mal interpretados.

Acredito no direito à Liberdade, no direito a pensar e expressar livremente a nossa opinião, podendo ter, como ferramenta, a escrita. A Liberdade obriga à responsabilidade e uma obrigação, que desde logo se impõe, é a obrigação de cada um ao respeito por todos, porque Todas as opiniões contam, ainda que discordantes da nossa.

Permitam-me citar Agostinho da Silva, do seu livro Quadras Inéditas, sobre algo que creio poder sempre ser a luz guia para esse caminho que se apresenta:

            “Eu não quero ter poder
             mas apenas liberdade
             de falar aos do poder
             do que entenda ser verdade


O autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.

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