Se aquilo que parece, acabar por ser, é demasiadamente preocupante o que acontece nos EUA depois do assassinato de Charlie Kirk no último dia 10 de Setembro.
A sua viúva, Erika Kirk, está a ser transformada em heroína e símbolo do extremismo trumpista, o qual já é apresentado como “movimento eleito por Deus para salvar a América”… com toda a comédia que resulta de tal designação para o escandaloso drama, e também com a dramática preocupação que será para todos nós tendo a maior potência mundial dirigida por um louco vaidoso, sem nada fazermos para o ostracizar. Chamá-lo à razão é impossível… ele não tem intelecto suficiente para perceber!
Por seu lado, o governador do estado da Virgínia, Glenn Youngkin, falando aos alunos de uma universidade no seu estado, perguntou: “Quem será o próximo Charlie Kirk?”, para logo responder: “Todos vós!”… na tentativa de transformar os jovens em clones de Kirk! E para substituir Kirk como líder da juventude republicana-trumpista, Glenn indicou a sua viúva Erika, apresentando-a como “uma líder extraordinária que demonstra ter a coragem de um leão e o coração de uma santa”.
Contrastando com o modo como tem vindo a ser “pintado” o espírito de Erika, que na homenagem ao seu marido foi aplaudida pelo discurso do perdão para o assassino “como Jesus perdoou a quem o matou”, Donald Trump disse precisamente o contrário. Como é seu timbre, falou pelo inchadíssimo umbigo que tem e alimenta, convicto de ser o dono da América e merecer a vassalagem de todo o mundo. O seu discurso incluiu estas palavras que sublinham a sua arrogância militante: “Odeio os meus oponentes e não lhes desejo o melhor… sinto muito, Erika.”
A extrema-direita americana comandada pelos republicanos mais seguidistas de Trump, está a preparar caminho à ideia de a sigla MAGA (Make América Great Again) ser transformada em nome de uma religião aglutinando “os arquétipos masculino e feminino do nacionalismo cristão” no credo essencial dos extremistas com a fé cega de que “a identidade dos Estados Unidos só pode ser cristã” acrescentando-lhe a frase preferida de Kirk: “agora MAGA é a verdadeira fé: é o nacionalismo cristão”!
Os americanos, sob a batuta de Trump e dos cristãos-fundamentalistas, preparam-se para transformar os EUA num “Afeganistão-cristão” para vergonha dos cristãos de todo o mundo, que não aprovarão, sequer, nem uma palavra de tal discurso… mas já há quem defenda a possibilidade de Erika ser a substituta de Trump no próximo acto eleitoral para presidir aos EUA.
Para já, Erika parece estar a desempenhar o mesmo papel que Evita Perón desempenhou na Argentina, e começaram a circular informações biográficas de Erika que conheceu Trump em 2012 quando ele era presidente e dono do concurso “Miss USA”, no qual ela representou o Arizona. Estudou Ciências Políticas e Direito, conheceu Charlie Kirk na primeira campanha eleitoral de Trump, e em 2021 casaram.
Embora se mantivesse na sombra de Charlie, Erika (que conta 36 anos) já tinha perfil público antes do assassinato do seu marido. No discurso que fez no memorial, dirigiu-se aos “homens ocidentais” dizendo que “tua esposa não é tua serva, nem tua empregada, nem tua escrava. É a tua ajuda. Não sois rivais. Sois uma só carne e deveis trabalhar juntos pela glória de Deus”.
Estas palavras estão a ser transformadas na cartilha da “Religião MAGA”, juntando-lhe a memória do Podcast que Carlie Kirk gravava expondo as suas polémicas opiniões e crenças religiosas, a sua paixão pela figura e pelos discursos de Trump, mais as suas ideias homofóbicas e anti-imigração.
Após a sua morte, o programa continuou com vários apresentadores, entre os quais se contam nomes ligados ao “movimento MAGA”, como o vice-presidente J. D. Vance. Charlie Kirk era evangélico, Vance e Erika são católicos e pertencem à ala mais conservadora dos católicos americanos que consideram ter ido o Vaticano “demasiadamente longe com Francisco” e não confiam em Leão XIV.
O legado de Kirk não só está vivo… também está a ser revitalizado com o apoio ao movimento MAGA agora transformado em embrião de uma religião pretensamente de orientação cristã, mas “sem permissão” de Jesus Cristo, cuja memória pode estar a ser conspurcada com uma ideologia “tão anti-cristã”, numa mistela contra a “esquerda radical” tão apregoada… mas que não existe nos EUA, sendo substituída, isso sim, pelo radicalismo de direita exercido por Trump e agora apoiado pela pretensa religião na “Fé MAGA”!
Isto, que até podia parecer anedota, é demasiadamente sério e deve ser considerado por todos nós, e em todo o mundo, procurando soluções antecipadas para os problemas que podem vir (e já vêm) do outro lado do Oceano Atlântico.
David French é um jornalista americano nascido em 1969. Também é comentador político conservador e autor de livros. Foi apoiante de Trump em 2016 como candidato republicano mas, quando o conheceu melhor, logo lhe negou apoio distanciando-se dele. No prólogo do seu livro “A Religião da Grandeza dos Estados Unidos”, editado em 2022, David French diz que “existe uma profunda convicção de que os EUA têm um propósito específico, ordenado por Deus, diferente e superior ao propósito divino para outras nações”. Poderá ser uma referência ao “Povo eleito de Deus”, como se auto-consideram os judeus, mas com a mais-valia de “a intenção de Deus”, agora, ter muito mais substracto na protecção divina dos EUA, do que a Bíblia regista relativamente aos judeus de há cerca de 3500 anos!…
É assim que os extremistas religiosos americanos se definem perante a ideia de Deus.
Roubam aos primitivos hebreus a autoria da ideia das benesses divinas para um povo, transferindo-as para os americanos sem pagarem direitos de autor nem taxas aduaneiras, e também sem sentirem vergonha… não só pelo roubo, mas pela mentira.
Sem escrúpulos vendem ficções ao povo americano que me parece ser o mais crente e influenciável de todos os povos do mundo… incluindo aborígenes da polinésia e tribos amazónicas. O destino da “Igreja MAGA” está ligado ao destino da nação; uma é a outra; não há separação.
Para ilustrar (e justificar a quem me lê) este meu “anti-Trumpismo”, deixo aqui um trecho de uma narrativa publicada no jornal El País do dia 4 de Outubro último, onde se aborda o termo “pós-verdade” inaugurado pela porta-voz do presidente Trump (Kellyanne Conway) quando, confrontada com uma mentira, afirmou não ter mentido… apenas proferiu um facto alternativo:
«… Umas horas antes, quando a cerimónia da tomada de posse se iniciava, começou a chover. O próprio Trump afirmou com naturalidade: “não chove”. O homem mais poderoso do mundo, debaixo de chuva, dizia não chover… e milhares de pessoas que se abrigavam com os seus guarda-chuvas, começaram a fechá-los».
É esta atitude dos “sem dignidade” que me assusta. Fazem o que o chefe diz, sem usarem o seu próprio raciocínio na descodificação do que os seus olhos lhes transmitem e que contrariam o que os seus ouvidos ouvem… é gente que não pensa!
Estas atitudes assustam-me, tanto lá, como cá. O carneirismo é universal e destrói a dignidade… e num mundo sem dignidade nunca é interessante viver.
É a medievalidade do pensamento a fazer ninho na América actual, e pode ser a tentativa de construção de uma “nova ordem mundial” procurando a sedimentação de Donald Trump no poder dos EUA, como o Aiatolá Ali Khamenei no Irão, Putin na Rússia, Fidel em Cuba ou Maduro na Venezuela… e tudo será graças a Deus, como é hoje no país dos aiatolás, e como já foi na Europa medieval católica!…
Só espero que este meu texto se revele um perfeito disparate, não passando de um devaneio meu… da minha “fantasia-anti-ideias-de-Trump”, sem perceber a ponta de um chavelho de “estratégia-geopolítica” (que ignoro), e que nada disto se concretize; que Donald Trump (se cumprir o mandato até ao fim) seja substituído nas eleições de 2028 por alguém mais honesto e democrático, respeitador do semelhante e amigo de toda a Humanidade, sem ódios nem tiques de ditador, e o movimento MAGA acabe por se perder no tempo por ser a nulidade que efectivamente é.
Que assim seja, para bem de todos nós.

Jornalista/Cartunista