Em 1976 colaborei com o jornal satírico “A Pantera” (impresso em papel cor-de-rosa). Criei o “lettering”, o grafismo, as imagens para as secções e ilustrei textos, alguns dos quais também escrevi. O editor era já um velho conhecido, bem como a directora do semanário. Conhecemo-nos quando eu colaborava numa outra publicação que ele editava e ela dirigia: a revista “Campismo e Caravanismo”, cujo grafismo e paginação eram concebidos no ateliê gráfico A. Baganha, no qual eu colaborava à noite, em horas extra-trabalho, quando tinha o meu emprego como Desenhador Maquetista (Designer Gráfico) na Litografia Nacional, no Porto.
Aproveito o ensejo para homenagear a memória de A. Baganha (os meus leitores mais velhos, que viam televisão antes do 25 de Abril, lembrar-se-ão do programa de Folclore que a Televisão [único canal então existente] passava semanalmente, transmitido dos Estúdios de Vila Nova de Gaia e apresentado pelo professor, etnólogo e poeta Pedro Homem de Mello). Albino Baganha era cenógrafo na RTP (para além de chefiar o ateliê gráfico da Agência de Publicidade Belarte) e criava a cenografia para os programas de folclore, entre outros.
Naquele tempo eu ansiava trabalhar numa Agência de Publicidade por entender que teria mais liberdade de criação numa Agência do que numa gráfica. Nesse sentido, bati à porta da Belarte à procura de trabalho. Não tinham vaga na Agência… mas o chefe do gabinete criativo precisava de um colaborador no seu ateliê particular. Imediatamente aceitei a oferta. Todos os dias, depois de jantar, entrava no seu estúdio às 21 horas. Ali não se executava, apenas, desenho e grafismo; o Mestre Baganha também fazia fotografia e cinema naquele seu espaço situado quase em frente da tenebrosa PIDE (hoje Museu Militar). Saía à meia noite e ia a casa dormir “a correr” porque às oito horas da manhã entrava na Litografia.
Com o Mestre A. Baganha aprendi tudo o que havia para aprender sobre criação gráfica e arte-final para a indústria publicitária, e ainda o modo de funcionamento de uma Agência de Publicidade, o que me permitiu dar o salto para uma Agência sediada em Lisboa (a Sistema) que em 1974 abriu uma sucursal no Porto e precisava de um criativo. Devo a A. Baganha essa possibilidade profissional, a qual nunca teria se não tivesse aprendido o que ele me ensinou. Obrigado, Mestre A. Baganha.
Para o jornal “A Pantera” propus uma Banda Desenhada (BD) com o título “O Mundo Feliz”, cuja primeira prancha já havia feito em 1973, legendada em Francês (Le Monde Heureux), que apresentei aos chefes de redacção das revistas Tintin, Pilote e Spirou, numa viagem que fiz a Bruxelas na tentativa (infrutífera) de por lá ficar fazendo BD.
“O Mundo Feliz” contava a História do Homem, na qual criticava a exploração do capital sobre o trabalho, apresentando Jesus Cristo ao lado de Che Guevara, de Gandhi e de Karl Marx.
Um dia o editor chamou-me e disse-me mais ou menos isto: “O meu melhor cliente, em termos de publicidade que me paga a produção da Pantera, tem uma fábrica de móveis em Braga e não gosta da história “O Mundo Feliz”. Ameaça retirar-me a publicidade, perdendo não só a dele, mas também a de todos os outros anunciantes que tenho na mesma região. Agora o que é que eu faço? Dispenso a tua Banda Desenhada, ou perco os anunciantes e encerro o jornal?”
Estávamos em 1976… e o 25 de Abril de 1974 ainda não tinha chegado a Braga!…
Obviamente, não pensei duas vezes… abandonei de imediato todo o trabalho que desenvolvia na Pantera… não só a BD. Foi como se tivesse morrido.
Fui substituído por um desenhador que produzia mensagens com ideologia de Extrema-Direita… lembro-me de um seu desenho representar Mário Soares a jogar à bola com a cabeça decapitada do Zé Povinho!… Mas nem assim a Pantera se safou… pouco tempo depois também morreu.
Mas morreu mesmo… e eu ainda por cá ando!
Jornalista/Cartunista