O outono é aquele amigo que aparece sempre com cara desconfiada, mas que traz consigo uma certa elegância desleixada. Chega, pousa folhas no passeio como quem despeja confetes e diz: “Pronto, agora já podes andar a pisar barulhinhos crocantes.”
Ah, as árvores, que durante o verão se exibiram vaidosas de verde, resolvem, sem qualquer pudor, entrar em modo “striptease sazonal”. Uma a uma, as folhas caem, e nós fingimos que não notamos, mas andamos para aí a fotografar o chão como se fosse obra de arte. No fundo, a professora tem razão: é a natureza a brincar com a gravidade.
É aquela estação do ano em que as árvores decidem fazer greve à roupa.
E os humanos? Nós também entramos no espírito. Passamos o verão a queixar-nos do calor e, mal chega o outono, lá estamos a reclamar: “Que frio! Onde é que meti o casaco?” E o casaco, claro, está debaixo daquela pilha de roupa que jurámos organizar desde abril.
E não esqueçamos a chuva. Aquela chuvinha simpática que começa devagarinho… como a de hoje, até decidirmos sair de casa sem guarda-chuva. Aí transforma-se em dilúvio bíblico, como se as nuvens tivessem feito um pacto secreto com a meteorologia.
Ah, a meteorologia sempre à espreita para nos enfiar em casa e fechar para obras as poças da rua.
Depois vem o nevoeiro – o poeta do outono. Chega de madrugada, envolve a cidade num manto cinzento e transforma até o prédio mais banal, num cenário de filme a preto e branco, talvez a sépia. Este é traiçoeiro: sob aquela aura de mistério, esconde-se a verdadeira ameaça – tropeçar no lancil porque não se vê a um palmo do nariz.
Entretanto, nós, humanos, tornamo-nos criaturas indecisas. De manhã, saímos equipados como se estivéssemos a caminho do Polo Norte. À tarde, carregamos o casaco nos braços, suados e arrependidos, enquanto pensamos: “Devia ter confiado na camisola.”
O outono não é uma estação, é um teste à paciência da meteorologia caseira.
E as castanhas assadas… inevitáveis! Hoje encontrei o assador na esquina da Rua do Norte. O fumo, entre os seus desatinos, aromatiza a cidade com cheiro de infância. Cheiram a aconchego, mas descascá-las exige a paciência de um monge tibetano. Ainda assim, ninguém resiste ao ritual: aquecer as mãos no fumo e comer devagarinho, mesmo sabendo que vamos passar o resto do dia a soprar os dedos queimados – há sempre uma castanha que não colabora, uma casca que se agarra com teimosia e nos faz praguejar baixinho.
O outono é assim: uma mistura de poesia e desventuras. Dá-nos tardes douradas, cafés fumegantes, desculpas para abrandar e ficar no sofá e tapetes dourados e vermelhos dependurados no alpendre da casa amarela da Rua do Sol.
No fundo, bem lá no fundo, não maldizemos o frio, a chuva e os ventos inteiros; é que ainda há em nós, pedaços de magia ao pisarmos o chão no outono: é uma espécie de museu gratuito a céu aberto.
O outono continuará a ser o dono da eterna dúvida existencial: “Será que ponho camisola ou casaco?”, “Levo ou não levo guarda-chuva?”
Humm…talvez aposte nas luvas não vá o inverno antecipar-se.
Professora e Escritora






