12.4 C
Porto
15.1 C
Lisboa
16.9 C
Faro
Terça-feira, Janeiro 21, 2025

Com 124 anos de história a “BFG Ferragens” no Bonjardim reinventada por quatro mulheres

Quando se anda pelas ruas do Porto, descobrem-se vários Portos! A cidade pela sua riqueza e diversidade oferece paisagens e geografias únicas. Cada rua tem uma história muito própria.

As mais lidas

Maria João Coelho
Maria João Coelho
Colaboradora/Filósofa

 A Rua do Bonjardim é bem o exemplo dessas múltiplas cidades, ou tão só, a forma como a cidade se foi configurando e construindo. Antes de ser Bonjardim, foi Rua da Porta de Carros, denominação tida durante vários séculos, como é referida em O Tripeiro “esse obliquado e estreito pedaço de rua sito entre o largo de Porta de Carros e Viela dos Congregados”.

Abaixo do cruzamento com a Rua do Estevão, no nº 404 encontramos a loja BFG Ferragens, fundada em 1900 por Bernardino Francisco Guimarães e sua mulher Maria Amália da Fonseca Guimarães. O casal de fundadores investiu todo o seu dinheiro e saber no novo negócio e, “em pouco tempo, a firma alcançou, no comércio portuense, tal prestígio que este estabelecimento era dos mais frequentados na Capital do Norte por todos quantos estivessem interessados no comércio de ferragens, cutelaria e ferramentas…” (revista “Portugal Brasil”, 1958).

BFG Ferragens
BFG Ferragens. Foto de VITOR LIMA

Entrar na loja BFG, Bernardino Francisco Guimarães Ferragens é como entrar numa casa de memórias de madeira castanho-escuro que se foi configurando durante 124 anos, ampliando-se e reinventando-se ao sabor do longo tempo. Atravessamos a loja com a cadência e os traços deixados em mais de um século de vivências.

Cruzam-se gerações e histórias, como um puzzle, num entrecruzamento com a construção da cidade. Marina Vale, sobrinha dos fundadores e filha do segundo proprietário situa-nos nesta história de família: “o fundador que dá nome à casa era o meu tio Bernardino. Depois o sobrinho Heitor do Vale, que era o meu pai, herdou-a. O meu pai nasceu no Rio de Janeiro e veio para cá com 13 anos para trabalhar aqui com o tio. E em 1952 o meu tio faleceu e deixou ficar a loja para o meu pai.”

Heitor do Vale o sobrinho do fundador
Heitor do Vale o sobrinho do fundador. Foto de VITOR LIMA

Do tempo de Heitor do Vale é um dos funcionários que aqui trabalha há mais de 50 anos, o Senhor Miguel que nos traça o perfil, num misto de orgulho e nostalgia. Acorreu a afirmar que “o Sr. Heitor, pai delas, era muito respeitado e não se comportava como patrão. Era uma pessoa que estava ao nosso lado como empregado. Era um amigo.” E num supetão aproximou-se da sua fotografia. “Está ali a fotografia dele. Era um ser humano ímpar que havia na sociedade portuense. Amigo dos empregados, conhecido em Portugal por quase toda a gente ligada às ferragens. Um comerciante, naquela altura, muito respeitado. O Senhor Heitor era muito respeitado por toda a gente.”

Sr. Miguel o funcionario mais antigo da casa
Senhor Miguel, o funcionário mais antigo da casa. Foto de VITOR LIMA

O comércio de agora não é como o comércio de antigamente. Os comerciantes do Porto tinham boa reputação e no início da República bem como durante o Estado Novo constituíam-se em Teatro Patronal, uma entidade que estava acima digamos, de uma certa classe. Heitor do Vale estabelecia laços pessoais e comerciais com bastantes pessoas, e como era próprio dos grandes comerciantes envolvia-se também na assistência às populações carenciadas. Foi um dos benfeitores do antigo Asylo das raparigas abandonadas atual Lar de nossa senhora do livramento
O Senhor Miguel não esconde a grande admiração pelo seu anterior patrão e reconhece-lhe a bondade, o trabalho e a amizade como traços de caráter. Descreve-o como homem bastante respeitado. Durante grande parte da sua vida esteve ao seu lado.

O século XXI trouxe a gestão feminina para a BFG Ferragens. No ano de 2003, sucederam a Heitor Vale, as suas filhas, Rosa Maria e Marina Vale, que dão continuidade ao negócio e reúnem esforços “para manterem a tradição de sempre, sem esquecerem a necessária modernização”.
A partir daqui o destino da BFG passa a traçar-se no feminino! Uma equipa de mulheres que foi crescendo até se tornar num quarteto. Em 2008 o comércio alarga-se com a incorporando da decoração e móveis em 2ª mão bem como a venda on line com a neta Alexandra Vale de Oliveira.

Area dos moveis em 2a mao e decoracao
Àrea dos moveis em 2a mão e decoração. Foto de VITOR LIMA

A parte da loja para além do balcão e que se prolonga em corredor, era anteriormente o armazém. Como refere Marina “era um armazém enorme de ferragens, de ferramentas. Importávamos ferramentas e materiais de todos os cantos do mundo. Menos da China, porque não existia no comércio. Mas de Macau, de Hong Kong sim.”

Nova configuração

Sempre mandaram fabricar as ferragens às mesmas fundições. Na sua maioria da zona do Porto, dos Carvalhos, Perosinho, Espinho e alguns de Águeda. E Marina reforça “nós tínhamos muitos fundidores e muitos serralheiros. Nós trabalhávamos para várias empresas, as grandes marcenarias. Sobretudo de Gondomar, Avintes e todo o grande Porto.” Até ao fim do séc. XX os grandes clientes eram empresas. O comércio a retalho só nas últimas décadas se tornou central.

Em 2008 a loja sofre nova configuração, o comércio alarga-se incorporando a decoração e móveis em 2ª mão bem como a venda on line pela mão da neta de Heitor, Alexandra Vale de Oliveira. É ela a responsável pelo site e pela chegada dos clientes virtuais. Alexandra sublinha que tem clientes de todas as partes de Portugal mas muitos vêm propositadamente à loja. “Já temos clientes que vêm de Lisboa de propósito para vir aqui. Porque há pessoas que querem fazer compras, e vêm aqui para ver exatamente como é a peça. Vêm de Lisboa, Cascais, Sintra e até dos Açores e da Madeira.”

Quando passamos da área central da loja com os seus longos balcões, as históricas máquinas registadoras e balanças de outros tempos, atravessamos um longo corredor forrado do teto ao chão com magníficos exemplos de ferragens… Cabides românticos, flor-de-lis ou cravo. Batentes em argola, estriados ou lisos. Fechos que nos fazem voar, asas fortes! E até fechos para arcas em forma de coração e de relógio. Números em ferro. Chapas para cartas vintage e arte deco. Ferragens para moveis nobiliárquicos: D. João V, D. Maria, Luís XV. Percebem-se bem as palavras de Alexandra “o serviço online é uma aposta no adn da loja: as ferragens!” Peças de um delicado puzzle. Flores e animais em forma de Puxadores, dobradiças vintage, excêntricos parafusos, puxadores em pedra, vidro, em resina ou em cerâmica.

Pormenores de ferragens
Pormenores de ferragens. Foto de VITOR LIMA

E agora que se aproxima o Natal a loja parece decorada a preceito…a meio do corredor encontramos uma sala-montra de decoração com os moveis impecavelmente restaurados e prontos a serem adquiridos!

PÁTIO BONJARDIM e CAFETARIA

Continuamos o corredor e acedemos á cafeteria com cozinha integrada na sala, conceito open space com o requinte e a exiguidade de quem pensou num espaço onde os clientes se sintam em casa. Estamos no Pátio Bonjardim, o último projeto desta casa, iniciado em 2017 com Marta Vale Bessa, uma cafeteria que se expande até ao pátio, até aí só da família.

Unknown 1
Cafetaria. Foto de VITOR LIMA

Era nesse Pátio que se faziam as festas da família, e Marta abre as portas da loja até ao pátio repleto de mesas com pormenores decorativos reveladores de elegância e charme …há uma luminosidade e fluência de circulação que tornam o ambiente harmonioso integrando perfeitamente a diversidade de clientes. Marta oferece uma carta pensada com pratos caseiros que incluem crepes, empadas, timbales ou saladas. A partir do livro de receitas da avó e das iguarias familiares foi explorando novas sobremesas. Refere que “há dois ou três bolos que começam a ser muito procurados, o bolo de amendoim e chila, o bolo de nozes e ovos moles. São bolos que as pessoas já sabem que todas as semanas temos”.
Novos caminhos a que este quarteto de mulheres conduz a marca BFG.

Unknown
Marina Vale, Rosa Maria Vale, Marta Vale Bessa e Alexandra Vale. Foto de VITOR LIMA

No meio daquelas paredes há uma chave da vida de cada uma destas mulheres. Nascidas nos andares cimeiros, por ali brincaram sob os olhos atentos de Heitor e seus empregados. A amplitude espacial e as várias transições no interior da loja ao longo das últimas duas décadas refletem saber e experiência de quem soube adaptar-se às novas exigências mantendo a tradição e o charme de uma marca centenária.

- Publicidade -spot_img

Mais artigos

- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img