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Quinta-feira, Janeiro 23, 2025

Ataque ao “Charlie Hebdo” foi há dez anos: A MORTE ATACA O HUMOR – Por Onofre Varela

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Onofre Varela
Onofre Varela
Jornalista/Cartunista

Hoje, dia 7 de Janeiro, cumprem-se dez anos sobre um dos mais graves ataques terroristas à imprensa livre, em França.

Em Paris, pelas 11:20, dois terroristas islâmicos fortemente armados com metralhadoras kalashnikov entraram na redacção do semanário satírico Charlie Hebdo depois de matarem o porteiro.

Durante dois minutos dispararam a sangue frio contra os jornalistas-cartunistas que ali estavam reunidos na preparação do próximo número do jornal. Logo a seguir abandonaram as instalações, deixando 12 vítimas mortais e cinco feridos. Na fuga ainda mataram um polícia e atropelaram um peão.

Neste acto terrorista morreram os jornalistas-cartunistas: Charb, Cabu, Tignous, Serge Wolinski e Philippe Honoré. Com eles também foram assassinados o revisor Mustafá Ourrad, os colunistas Elsa Cayat, Bernard Maris e o editor convidado Michel Renaud, mais um guarda-costas do desenhador Charb.

A existência do guarda-costas justificava-se por, quatro anos antes, o mesmo jornal ter as instalações atacadas e incendiadas, tendo os atacantes feito uma ameaça de morte ao desenhador Charb (director do Charlie Hebdo), alegadamente pelo apoio dado ao jornal dinamarquês Jyllands-Posten (que publicou cartunes satirizando Maomé) publicando uma caricatura na capa do Charlie representando Maomé tapando os olhos de vergonha, dizendo: “É duro ser amado por idiotas”.

Esses idiotas continuam a sê-lo. Há idiotas em todos os meios sociais… e alguns até são assassinos.

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«A capa do número do jornal Charlie Hebdo publicado a 14 de Janeiro de 2015 (uma semana depois do ataque assassino), demonstra o sentido de humanidade dos humoristas, contra o sentido bélico dos extremistas religiosos. Para o jornal, “tudo está perdoado”… e ressalva-se a honra do próprio Maomé que é apresentado a declarar estar com os jornalistas assassinados». Direitos Reservados

O jornal espanhol El Mundo, no suplemento cultural La Lectura do dia 6 de Janeiro de 2023 (véspera do 8º aniversário do atentado), entrevistou o director do Charlie Hebdo, o desenhador Riss, que foi um dos feridos no primeiro ataque, sobrevivendo a um tiro que lhe perfurou um ombro.

Riss confessou sentir-se ultrajado pelos advogados de defesa dos terroristas islâmicos que são presos e levados a tribunal, por defenderem a inocência dos terroristas, alegadamente por também eles serem “vítimas das injustiças da sociedade”… colocando os assassinos ao mesmo nível dos assassinados!

Até então as acções terroristas islâmicas mataram 264 pessoas só em França, incluindo neste número 131 espectadores na sala de concertos Bataclan em 2015.

Na entrevista ao El Mundo, Riss mostra-se pessimista com o evoluir dos acontecimentos naturais e sociais no mundo. As suas preocupações centram-se nos problemas específicos da nossa época, como a liberdade de expressão, as redes sociais, as mudanças climáticas, a insegurança, o desemprego e o bem-estar social.

Entende que as novas gerações não consideram estes tão importantes parâmetros, nem sequer têm a noção de que pode ruir tudo quanto já foi conquistado nos últimos 50 anos. “Há jovens de 20 anos que pensam como gente de extrema-direita de há 30 anos, e o curioso é que essa juventude reivindica-se de Esquerdas, não dando conta de que praticam um moralismo ultra-reaccionário!”

E eu pergunto se por cá não acontece o mesmo, com tanta juventude defensora de extremismos!…

É com esta juventude que vivemos, e se os responsáveis políticos não fazem nada para que as noções de liberdade e de opressão sejam perfeitamente entendidas… o nosso futuro poderá ser bastante negro. E quando é um humorista (como Riss) a alertar para este desfecho trágico… o alerta deve ser levado bastante a sério!

cagarse en Dios scaled«El Derecho a Cagarse em Dios»

A frase que abre este texto copiei-a do título de um livro de Richard Malka, na sua versão espanhola (libros del Zorzal, 2022), com o título original em francês: «Le droit d’emmerder Dieu», publicado em 2021.

O seu autor é o advogado que defendeu o jornal satírico Charlie Hebdo no julgamento dos terroristas que invadiram a redacção do jornal naquele dia 7 de Janeiro. Richard Malka lembra que o julgamento dos terroristas islâmicos também serviu para demonstrar que o Direito se sobrepõe à força, e para recordar o “alcance político, filosófico e metafísico” dos atentados cometidos pelos fanáticos do Islão que matam e destroem tomados pela convicção de que “Deus assim quer”.

As vítimas do Charlie eram pessoas que riam e desenhavam, no desfrute das mais básicas liberdades, as quais os fanáticos assassinos não têm. Nas suas mentes só podem ser encontradas neuroses e frustrações, alimentadas por uma crença primitiva destruidora da razão, da inteligência e do bom senso. Para estes agentes religiosos extremistas, apenas contam as inexistentes “leis do céu” e não têm medo de morrer. Doentiamente, preferem a morte à vida.

A seguir aos atentados, houve gente socialmente bem colocada, como filósofos, sociólogos e, até, “uma antiga candidata às eleições presidenciais”, que defenderam o abandono do “direito a caricaturar e a criticar livremente as religiões”!…

Richard Malka pergunta: “Como pretender tal coisa com um mínimo de honestidade intelectual?”. Os terroristas detestam as nossas liberdades e não se detêm no ataque ao modelo de sociedade democrática ocidental que escolhemos na defesa da liberdade no sentido universalista, baseada na Razão e na liberdade de expressão, contrariando a sociedade dos fanáticos que é constituída pelo dogma e pela submissão.

Os terroristas ameaçam as suas vítimas com a promessa de “estripá-las, queimá-las vivas, violá-las, degolá-las, e enviam-lhes fotos de cabeças decapitadas. Vocês não podem imaginar a violência das mensagens” que estes destinatários, escolhidos pelos fundamentalistas, recebem.

Perguntando “Como chegamos a esta situação?” o autor responde: Uma organização chamada Sociedade Islâmica da Dinamarca, instruiu o Iman Ahmad Abu Laban para constituir um dossiê com as doze caricaturas de Maomé publicadas no jornal Jyllands-Posten em Setembro de 2005, juntando-lhes outras três, de desenho primitivo e sem nome do autor (essas, sim, bastante ofensivas do profeta Maomé!). Era uma estratégia para inflamar o sentimento religioso muçulmano… o que foi conseguido.

Ahmad Abu viajou pelo mundo árabe publicitando aquele dossiê como isco a ser mordido pelos religiosos mais fundamentalistas… e assim se deu início ao incendiar de paixões religiosas extremistas, organizaram-se acções de rua com bandeiras queimadas, embaixadas atacadas, atentados e assassinatos, tudo à conta de um embuste criado pelos imanes na Dinamarca.

Richard Malka interroga: “Quem deita gasolina no fogo? Quem caricatura o Irão? Nós, ou os ímanes dinamarqueses? Acaso os blasfemadores não foram os ímanes que inventaram as caricaturas ofensivas? Quem conhece esta história? Conhece-a o príncipe Al Thani do Qatar, que nos quer dar lições de anti-racismo e mantém trabalhadores estrangeiros sem passaporte e os trata como escravos? Conhece-a o presidente Erdogan que nos quer dar lições de tolerância e massacra muçulmanos kurdos numa autêntica limpeza étnica? Massacrar milhares de muçulmanos não é islamofobia… mas publicar desenhos, sim?!…”

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