Para que não restem dúvidas no que acabo de escrever, a obra é dedicada “aos interiores habitantes do xisto, aos ex-combatentes e aos que sobrevivem na solidão deste insano e estranho mundo”.
Que relação têm os ex-combatentes com o livro, questionarão alguns de vós. Muito. Não só porque o autor é militar e ingressou no exército, na categoria de sargentos. Mas esteve em serviço em Timor Leste e no Iraque. “Tenho a certeza que todos aqueles que passaram por teatros de guerra têm muitas histórias para contar. Histórias que transformadas em livros marcariam o nosso quotidiano”.
Não é fácil apanhar o fio à meada de alguém que como Gonçalo Ramos, tem a facilidade de transformar em prosa escorreita, momentos estonteantes da sua vida. Sobretudo da sua meninice.
“Este livro procura captar a atenção dos leitores para algumas histórias que eu fui escrevendo sem pressa. Escrever para mim não é uma obrigação. Escrevo quando quero e me sinto inspirado!”, esclarece.
Este romance está dividido por várias histórias como se fosse um puzzle. No fundo, são memórias universais onde os leitores se vão identificar naturalmente.
“Procurei escrever algumas histórias que podem levar os leitores a pensar nas realidades da vida. Quando escrevo das aldeias de xisto desertificadas, tenho a certeza que muitas pessoas com raízes ali sintam uma certa nostalgia. Também escrevo daqueles que foram obrigados a deixar essas terras do interior para os grandes centros urbanos como Lisboa ou Porto”, diz Gonçalo Ramos.
Serenidade e desconcerto
No livro existe uma história de um pai que saiu de uma aldeia de xisto para Lisboa, depois acabou por morrer com cancro. Mas antes de falecer, pediu ao filho que fosse cremado e lhe levasse as cinzas para a sua terra natal.
“A Memória das Recordações é isso mesmo. Histórias que trazem à tona muitas das minhas vivências que eu quero partilhar com os leitores!”, sublinha o autor.
Gonçalo Ramos cresceu dividindo a infância entre o bairro da Guarda Fiscal, na fronteira do Caia, e o bairro da fonte-nova, na cidade que o viu nascer: Elvas.
No prefácio do romance, Elisabete Bárbara escreveu preto no branco e em letras de forma o seguinte: “Cuidado. Este é um daqueles livros que nos leem até ao mais profundo da alma. (…) A escrita é tão serena quanto desconcertante – ou talvez desconcertante por ser tão serena – e traz consigo a chave que abre a porta das inquietações e das dúvidas existenciais que são nervo e sangue da alma. Essa porta que deixa entrar a poesia-luz sobre as vivências de que somos feitos e, ainda que nenhuma palavra consiga dar conta do intangível, são as palavras que marcam o vínculo, que preenchem o vazio, que acompanham e acalmam, que recusam o fim pela eternidade que constroem a partir do momento em que são escritas, lidas, ouvidas”.
E para concluir escolhi a história das “Tulipas” :
“Hoje não saberia o dia nem o mês, só sei de um outono. Tulipas. Na confusão que o meu discernimento se transformou recordo tulipas. Cinco mil espécies, dizem que são originárias da Ásia, que se plantam quando as folhas caem de castanho maduro e de fim de ciclo. Talvez por servirem de fertilizante ou talvez mero acaso. Solo arejado e com boa exposição solar, aconselham os sábios de experiência feitos. Um outro tipo de arte, um pouco como as relações humanas, creio, onde o bom crescimento depende basicamente dos mesmos cuidados”.
A edição desta obra é a Cordel D’Prata.
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