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Terça-feira, Outubro 15, 2024

A história de um menino mau? Quando as nossas crianças esfaqueiam outras – Por Clara Boavista * e Pedro Nogueira Simões

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Pedro Nogueira Simões
Pedro Nogueira Simões
Advogado, Psicólogo e Investigador Universitário

Quem não se lembra do escritor Thomas Bailey Aldrich, que escreveu The Story of a Bad Boy? Aliás, esse livro é frequentemente citado como uma possível inspiração para Mark Twain ao criar a personagem Tom Sawyer.
Pois bem, essa história autobiográfica retrata não um rapaz mau, mas sim endiabrado, muito centrado em si mesmo e com uma lógica deturpada do mundo ao seu redor. Também aqui o cenário se desenrolava numa escola, em Rivermouth…
Além disso, o grau de agressividade era elevado, com o tal rapaz agredindo outros, juntando dinheiro para comprar pólvora e, em grupo, causando desconforto na comunidade…

No entanto, sempre eram observados aspetos de justiça nas suas ações, ainda que ele seguisse um mau caminho, o do desvio!
Digamos que se tratava de um misto de mau rapaz, capaz de agredir alguém para defender os mais jovens e indefesos. Tinha ideias fixas e, apesar das travessuras, agia com um certo senso de justiça. E, como qualquer outro de sua idade, era incapaz de prever as consequências dos atos que perpetuava.

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Direitos Reservados

E, como acontece frequentemente nestes casos, ele crescera na ausência dos pais, sem uma estrutura familiar sólida ou assertiva, onde apenas podia contar com o seu avô, que, devido à idade, já não conseguia corresponder a todas as necessidades do desenvolvimento de um ser humano em suas instâncias mais precoces.

Voltando à nossa realidade, recentemente tivemos conhecimento de mais um acontecimento trágico e muito preocupante em recinto escolar, quando um aluno de doze anos esfaqueou, de forma aparentemente “aleatória”, seis colegas, na Escola Básica 1, 2, 3 de Azambuja, no distrito de Lisboa.
A agressão perpetrada por este aluno levanta uma série de questões sobre segurança, saúde mental e o ambiente escolar.

Incidentes deste género refletem, muitas vezes, problemas mais profundos no seio das instituições educativas, bem como na sociedade em geral. É fundamental examinar os fatores que podem estar na origem deste tipo de comportamento violento, como o bullying, problemas de saúde mental, influência das redes sociais ou até a exposição a conteúdos violentos.

A falta de apoio psicológico adequado nas escolas, aliada a uma possível falta de supervisão e acompanhamento do bem-estar emocional dos alunos, também pode contribuir para situações de crise como a que se verificou.

Diante de acontecimentos como este, é imperioso que a comunidade escolar, em conjunto com as autoridades e especialistas, reflita sobre a implementação de medidas eficazes para prevenir a violência nas escolas.
Este procedimento inclui a promoção de ambientes educativos mais seguros, a formação de professores e funcionários para a identificação precoce de sinais de risco, e o reforço do apoio psicológico para os alunos.

O impacto de uma tragédia como esta não afeta apenas as vítimas diretas, mas também toda a comunidade escolar e as famílias envolvidas, gerando uma sensação de insegurança e vulnerabilidade.
Além disso, a recuperação emocional dos alunos e profissionais da escola afetada por este acontecimento será um processo longo e delicado, obrigando a um suporte continuado no tempo.

Impõe-se a seguinte questão: estará a criminalidade a aumentar entre os mais novos? Embora não haja uma resposta simples ou uniforme, há dados e estudos que indicam que certas formas de delinquência juvenil, particularmente a violência, podem estar a aumentar em certas regiões. Contudo, a situação é complexa e envolve vários fatores.
Apesar de o aumento da criminalidade juvenil não ser uma tendência uniforme em todos os países e regiões, os dados evidenciam que a criminalidade juvenil, em termos globais, tem diminuído. Em Portugal, os dados sobre delinquência juvenil nem sempre mostram um aumento generalizado, embora se verifique uma maior atenção em casos de violência escolar e comportamentos de risco.

O último relatório da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta, publicado em 2023, revela um aumento da criminalidade entre os jovens em comparação com anos anteriores. Houve um crescimento de 8,2% nas ocorrências de delinquência juvenil face a 2022, com mais de 1.800 incidentes registados. Além disso, a criminalidade grupal também apresentou um aumento significativo, especialmente entre menores de 12 anos envolvidos em grupos criminosos, que praticamente duplicou em relação a 2022.

As forças de segurança destacaram um aumento da gravidade e precocidade das infrações, incluindo o uso de armas brancas e uma maior violência gratuita. Este fenómeno é particularmente grave em regiões como Lisboa, Setúbal e Algarve, e o pós-pandemia é visto como um fator agravante, devido a questões como o aumento da agressividade e a exposição excessiva às redes sociais.
Apesar desse aumento recente, os números ainda estão abaixo dos picos de delinquência juvenil observados em 2010.

A resposta a esta questão requer, por parte da sociedade e das autoridades, a implementação de políticas preventivas, nomeadamente o fortalecimento da educação, do apoio social e psicológico nas escolas, bem como a criação de ambientes seguros e oportunidades de desenvolvimento para os jovens.

Torna-se igualmente imperioso que reflitamos sobre nós próprios, sobre as nossas capacidades, e nos questionemos se estamos verdadeiramente aptos para enfrentar o tão grande desafio de ajudar e orientar as nossas crianças em tudo o que elas realmente necessitam.
Vivemos numa sociedade que, de forma crescente, nos envolve sob as mais diversas perspetivas, e ao mesmo tempo que nos molda e nos afasta, tanto nos entranha como nos estranha.

E voltando a Mark Twain, em As Aventuras de Tom Sawyer, “há um momento na vida de todos os meninos normais em que surge um desejo furioso de irem a algum lugar  para descobrir um tesouro enterrado.” Que esse tesouro seja o reencontro com o sentido da vida, com o amor, e que nunca leve o menino a caminhar por terrenos perigosos e de risco…

* Docente Universitária e Doutorada em Educação

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