Dia de Proclamação da República. Uma festança. Talvez a terminologia seja exagerada, pois, se perguntar-se a 10 pessoas na rua, 8 vão dizer que é dia de S. qualquer-coisa e as restantes 2 limitam-se a esperar que o próximo feriado seja colado ao fim-de-semana. Posto isto, descodifique-se então o 5 de outubro.
Em síntese, eis o que se passou: em 1910, um grupo de pessoas insurgiu-se contra a monarquia e expulsou D. Manuel II. E afirmou: “pronto, está feito. Vamos experimentar uma coisa chamada República”. Assim, como quem aclama que vai cortar nos doces. Uns dias depois, já estavam escondidos no gabinete a comer pastéis de nata. Uma República, sim; mas sem confiança em demasia.
A verdade é que os mentores da iniciativa se esqueceram de avisar que os portugueses também poderiam participar nisto. Proclamaram a República como quem muda o nome do grupo de WhatsApp sem avisar. Não é de estranhar que a dúvida se tenha instalado: “quem é este Bernardino Machado que está a enviar mensagens?”.
O lado positivo é que o feito se traduziu num feriado nacional. A parte menos boa é que o feriado só calha bem de vez em quando. Não há maior prova de que, quem escolheu o dia 5 de outubro, na essência não percebe nada de feriados. Parece que o objetivo tenha assentado nesta ideia: “vamos mudar o regime, mas só para vos estragar a semana continuaremos por cá”.
Claramente, não houve planeamento, análise de mercado, benchmarking. Caso contrário, o 5 de outubro teria acontecido a 1 de janeiro, o que significaria motivação redobrada. E não havia dúvidas quanto ao dia. Não tendo sido assim, o 5 de outubro é aquele feriado que só se percebe quando chegamos ao local de trabalho e questionamos: “isto está fechado porquê? Hoje há greve?”.
Mas sejamos justos. A implementação da República foi realmente bem planeada. De tal modo que D. Manuel II não teve tempo de reagir. Há quem considere que este foi o despejo mais rápido da história de Portugal. Mal acordou, o visado foi notificado: “más notícias. Os republicanos chegaram. O barco parte dentro de 10 minutos”.
A mudança de regime implicou substituir o Hino da Carta pelo Hino Nacional, sobejamente conhecido como “A Portuguesa”. Na altura, o trabalho não se afigurou fácil. Era necessário algo vibrante, pujante, ritmado. Assim surgiu “Heróis do mar…”. Mas quais heróis? Qual mar?”. Ao certo, ninguém sabe. Consta apenas que um dos intervenientes terá dito: “Calem-se. Isto já rimou e é hora de fechar o café”.
Sobre a bandeira, as observações e as queixas vêm sobretudo dos miúdos que frequentam o 6.º ano. Raros são aqueles que conseguem desenhar a esfera armilar e o escudo de acordo com as expetativas do professor de Educação Visual.
A República trouxe mudanças, de facto. O povo passou a ter voz e liberdade. Hoje, todos podem criticar quem nos governa sem medos. Só que ninguém liga. Vivemos o sonho de qualquer democracia: todos podem dizer mal e todos podem não fazer nada para mudar. É praticamente uma revolução, tendo em conta que somos totalmente livres de contestar o preço da gasolina. E, após atestarmos o depósito, pagamos e seguimos viagem.
Neste 5 de outubro celebra-se o dia em que deixámos de ser súbditos para sermos contribuintes, em que se trocou a corte por partidos políticos (mas continuando a existir uns mais nobres do que outros), em que trocámos a monarquia pela burocracia. O sistema parece ter alguns “bugs”, pois estamos com alguma dificuldade em instalar a versão final da República. Deixámos de dizer “viva o rei” para passarmos a proclamar “abaixo o governo”. No fundo, é como um jogo de futebol que nunca acaba: há sempre substituições, mas ninguém acerta na baliza. O 5 de outubro é a data que nos lembra que, apesar da monarquia ter caído, os impostos continuam firmes e inabaláveis.
Celebremos a República, a liberdade e a nossa habilidade inata para saber esperar na imensidão das filas. É chegado o momento de nos reunirmos e brindarmos ao direito de podermos escolher quem nos irá fazer rir ou chorar no próximo ciclo eleitoral. Aqueles que nos prometem sempre que, juntos, vamos construir um futuro brilhante – quando, na verdade, o que queremos é um futuro onde não tenhamos de construir mais nada.

Jornalista