Recentemente (24 de Janeiro de 2025) a imprensa noticiou a condenação da França no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) por incluir a “prática sexual como um dever conjugal” num processo de divórcio a que os tribunais franceses deram aceitação, condenando a esposa acusada pelo marido de “não querer praticar sexo por se desinteressar do acto”.
Os juízes do TEDH (sediado em Estrasburgo) consideraram, por unanimidade, que a negação de manter relações sexuais, por parte de um dos cônjuges, não é argumento aceite para justificar um divórcio sob a figura de “incumprimento dos deveres conjugais”, porque este suposto incumprimento viola direitos fundamentais, constituindo, não só, uma ingerência na vida do casal, mas também uma visão perigosa em matéria de luta contra a violência sexual e machista.
«A existência de uma obrigação conjugal interpretada desta maneira é contrária à liberdade sexual, ao direito de dispor do seu corpo e à obrigação positiva de prevenção dos Estados em matéria de luta contra a violação sexual e doméstica», declararam os juízes.
O caso só chegou ao Tribunal de Estrasburgo depois de, em 2019, o Tribunal de Versalhes ter considerado que «o divórcio solicitado pelo casal era da responsabilidade exclusiva da mulher por não ter querido manter relações sexuais com o seu marido durante vários anos, não tendo, para isso, qualquer justificação por motivos de saúde», o que constituía «uma grave e reiterada violação dos deveres e obrigações conjugais, tornando impossível a continuação do casamento».
Mas os juízes do TEDH reiteraram que «qualquer acto de natureza sexual não consentido constitui uma forma de violência sexual», e consideraram que «só motivos particularmente graves podem justificar a ingerência dos poderes públicos no domínio da sexualidade», inferindo-se, assim, que impedir o acto de “molhar o pincel” não é grave nem configura motivo para se pedir um divórcio alicerçado em tal causa. Por isso foi dada razão à esposa… e o marido teve de procurar outros meios de satisfazer a sua sexualidade… porque, com a sua legítima mulher… “bai no Batalha”!…
Deixem-me dizer – à margem da notícia – que nunca podemos saber as razões que levaram aquela mulher a desinteressar-se do acto sexual. A peça jornalística não diz se ela se desinteressou de praticar sexo, apenas, com aquele fulano; ou se também nega praticá-lo com qualquer fulano do mundo!… Convenhamos que há “gajos” impossíveis de aturar por variadas razões… incluindo aquela de, quando abrem a boca, “espantarem a caça” com o seu fedorento hálito a tabaco e a álcool… e quando se descalçam… é de fugir!… E também não sabemos se a idade alterou o aspecto físico do seu marido em tal dimensão que lhe causa medo, horror e nojo, só de olhá-lo, cortando-lhe qualquer resquício de vontade sexual que pudesse emergir às escuras!… Mas se fosse assim, era ela a pedir o divórcio, e não ele… digo eu!…
A maravilhosa espécie a que pertencemos
No “Homo sapiens sapiens” o sexo não é, apenas, o modo natural de reprodução da espécie. Nos humanos, o sexo também é um veículo transmissor de sentimentos e afectividade, conferindo mais substância ao facto de se ser humano. De tal modo assim é que até designamos a prática sexual pela bonita frase: “fazer amor”.
O ser humano, quando faz amor, fá-lo por prazer e sempre que o deseja (a mulher francesa do início deste texto, é que não o desejava… com toda a legitimidade!) e tem a capacidade de o desejar e concretizar muito frequentemente. A actividade sexual é fonte de bem-estar e de equilíbrio psíquico; homem e mulher necessitam dela em igual medida… (excepto aquela senhora!…).
O sexo entre os indivíduos da espécie humana não se resume ao cumprimento biológico da reprodução. Esse aspecto é acto puramente animal no natural exercício da continuação da espécie através da troca de fluídos entre um macho e uma fêmea. Nos humanos, a actividade sexual vai muito mais além; também constitui um acto cultural… tal e qual como a culinária, que não se resume ao carregamento energético do corpo independentemente do paladar do alimento ingerido, mas se transformou em arte com vários apontamentos de criatividade no apuro de paladares, aspectos visuais e consistências.
E depois, entre nós, contrariando o mero acto reprodutivo, o prazer sexual pode ser encontrado com parceiros do mesmo sexo, sem a preocupação de gerar filhos, mas, tão só, a de se sentir prazer que o simples acto de viver o sexo dá, deixando livre, a cada qual, a escolha do parceiro ou da parceira desejado(a).
A prática sexual nos seres humanos é muito mais do que uma série de actos sedutores que culminam na penetração vaginal e no depósito do esperma no útero da companheira de cópula. Os humanos acrescentam-lhe um elemento só perceptível pelo raciocínio inteligente que nenhum outro animal possui: o erotismo! E isto faz toda a diferença… para melhor!… O erotismo pede variação nas atitudes, entrega carnal sem amanhã, débito de frases motivadoras (e também escandalosamente estúpidas!…) e demora no clímax…
Nós somos, provavelmente, os únicos animais que sentem desejo de sexo unicamente pelo prazer que dá praticá-lo, e não, exclusivamente, pelo instinto de reprodução da espécie… (e agora… vejam lá esta calamidade: a Igreja mais tradicional, aquela que proíbe processos anti-conceptivos e o divórcio, quer que, por cada cópula, nasça uma criança!… Já viram coisa mais “anti-espécie-inteligente-responsável-e-sensível”?!…) É uma estrondosa falta de respeito pelas tão desejadas e procuradas “quecas”!
Para além destas nossas características únicas em comportamento sexual, o Ser Humano é um animal gregário. Vive em comunidade e, nesse sentido, para não guerrear constantemente com todos os seus vizinhos, criou leis comportamentais… mas que viola constantemente!…
Relações sexuais forçadas
Esta violação de algumas das leis que podem ser consideradas “regras-para-bem-viver”, não é característica exclusiva da espécie humana. Na Natureza – e relativamente ao acto sexual – também há uma “lei natural” que não tendo sido criada pelos animais que a acatam (daí ser natural e não artificial como muitas das leis que inventamos para nos regerem… e depois a coisa corre mal exactamente porque lhe falta naturalidade) é, naturalmente, cumprida por todas as espécies; e os investigadores já detectaram o equivalente a “relações sexuais forçadas” em várias comunidades de outros animais nossos companheiros na aventura da eclosão de vida neste nosso maravilhoso (e, até agora e que se saiba… único) planeta Terra.
Num artigo científico divulgado no mesmo dia em que se conheceu a resolução do TEDH para humanos preocupados com a sua actividade sexual, afirma-se que «a coerção sexual é uma prática frequente na Natureza», tendo já sido observada pelos estudiosos sob a forma de: intimidação, castigo, acosso e, mesmo, cópula forçada!
Para os machos que “desrespeitam”, assim, as fêmeas escolhidas para parceiras da cópula, trata-se de uma «estratégia adaptativa no sentido de melhorar as possibilidades de deixar descendência». Mas a verdade “criminosa” é que as fêmeas sofrem com semelhante atitude machista, porque «tais agressões aumentam o stress e podem incluir lesões que, não raras vezes, conduzem à morte». Perante tal atitude natural dos machos, as fêmeas desenvolveram estratégias para lutar contra as agressões dos “gajos que lhes arrastam a asa”. Vejamos estes casos:
Golfinhos – Na Austrália foi observada uma táctica das fêmeas para impedirem os golfinhos machos de copularem “sem agendamento”. A táctica é tão simples quanto isto: as fêmeas deslocam-se em grupo, sobrepondo-se uma, noutra, desmotivando a aproximação do macho que vê a cópula dificultada com “tamanha baleia”.
Alces e Galinhas – Alces fêmeas do Alasca, e galinhas, quando desinteressadas na cópula e assediadas pelos machos, emitem fortes vocalizações ao estilo do nosso “ó da guaaaarda, acuuuudam-me!…” desmotivando o macho de continuar o assédio sexual por não haver tímpanos que resistam a tamanha algazarra.
Macacos – No reino dos macacos os machos são alertados da disponibilidade sexual das fêmeas quando, no período da ovulação, elas ostentam a zona genital inchada e de intensa cor vermelha, incentivando-os a agarrarem-se à primeira dama que mostre tais características, por entenderem que elas se apresentam prontas para a “brincadeira” e que “estão mesmo a pedi-las”!…
Porém, as fêmeas não são umas doidivanas permissivas, e nem sempre estão dispostas a aturar “os gajos e as suas vontades”. Quando desinteressadas na cópula, as fêmeas conseguem eliminar o inchaço e a cor atractiva da vagina, desmotivando, assim, a aproximação do macho pretendente à paternidade, por mais penteadinho e bem-cheiroso que se apresente.
Rãs – Ao que parece, o meio aquático não é nada desinibidor do acto sexual. Aquela horrível frase machista que diz: “nem debaixo de água me escapas”… é atitude de todos os momentos na vida de uma rã. As rãs são dos animais mais afectados pela doidice dos machos quando querem “daquilo e agora”. Os batráquios “machões” começam por abraçar a fêmea escolhida, num amplexo tão forte e longo que chega a durar vários dias… é um abraço de tal maneira forte, que manieta a fêmea de modo a não lhe deixar qualquer possibilidade de defesa.
Os biólogos que andam a meter o nariz na vida sexual dos bichinhos, descobriram que há uma espécie de rã, catalogada com o nome científico de “Pelophylax nigromaculatus”, cujas fêmeas emitem vocalizações de tal modo medonhas, pavorosas e irritantes, que os machos próximos piram-se o mais rapidamente possível da zona onde está “aquela gaja que tão alto berra… parece doida!”.
Orangotangos – O orangotango é o primata mais próximo do Homem, inclusive nas relações sexuais, pois pratica a cópula muito frequentemente. Os largos períodos entre os estados de gravidez (entre seis e nove anos) e o facto de o período de ovulação, ao contrário de outros macacos, estar oculto à vista do macho, coloca as fêmeas mais expostas a agressões sexuais constantes. Mas aqui já é o macho que chama a fêmea por demorado tempo, convencendo-a a aproximar-se; porém, as fêmeas menos dadas à prática sexual “só porque sim”, escolhem o macho a que se entregam, aproximando-se dos mais velhos e pachorrentos no momento em que eles se alimentam. Com esta táctica desmotivam a aproximação dos orangotangos jovens “mais danados para a brincadeira”, que veem no “velhote” uma autoridade, e abandonam a conquista… porque o respeitinho é muito lindo!…
Ó jovens desmiolados armados em machões… aprendam com os orangotangos!
Jornalista/Cartunista