Não, não tens! E vou dizer-te porquê.
Sei que viste que o silêncio chegou depressa, sem dares conta do barulho do vento, mesmo quando te aproximaste da janela. Tapaste a boca e o sorriso, sem quereres tapar a vida. A mesma que, entretanto, tantos perderam. A pele das tuas mãos continua sensível, mas não sente agora o toque de quem todos os dias se aproximava de ti, sem limite nem medo, pouco tempo depois de colocares os pés nos lugares que aprenderam a conhecer-te como ninguém. Os teus olhos, ainda livres, dão conta que o sol continua a brilhar como nunca e no espaço que sobra do teu rosto, deixas entrar os raios que também te trazem memória. A mesma que te faz sonhar, acordado e triste, com o tempo recente em que os dias eram longos, quando o barulho feliz das tuas gargalhadas se prolongava até à chegada da lua e que pensavas que durariam para sempre.

Talvez te doa o peito quando no meio da tua rua, agora vazia, quiseres parar, de repente. Sei que morres de vontade que voltem a sair por cada uma daquelas portas que conheces de cor, a beleza das coisas mais simples que sempre tiveste na vida. Ao mesmo tempo, sei que respiras a primavera e reparas que as flores, entretanto, cresceram. Afinal, os dias também passam quando tu não estás.
Também sei que, se te emocionares, talvez chores, mas peço-te que não te importes se alguém te vir a fazê-lo. Sabes, a saudade consegue chegar mais depressa que o silêncio e esconde-se entre os aromas de cada milímetro da natureza que teima em não desistir de ti, mesmo depois de teres andado distante.
Sei que talvez voltes para a janela, ainda antes do dia acabar. Sei que vais destapar a boca, o sorriso, contemplar o anoitecer e sentir a esperança que ele traz todos os dias, enquanto a lua espera que o teu coração bata forte, como eu sei que ele baterá. Tão forte, que é bem capaz de acabar com este silêncio que chegou de repente e que teima em não se ir embora.
Sei que tudo isto irá acontecer antes do sol nascer e por isso te vais sentir livre outra vez.
Não, não tens uma pedra no lugar do coração!
Acabei de te dizer porquê.

Escritor e Gestor de Empresas