Álvaro Azevedo – com João Luís Médicis e Sérgio Castro – formavam a banda Trabalhadores do Comércio – contou a “O Cidadão” a tormentosa noite em que Lou Reed falhou o concerto no Pavilhão Infante de Sagres, no Porto. No dia 24 de Junho de 1980.
“Nós estávamos na organização, alugámos o nosso equipamento para o concerto do Lou Reed em Cascais e aqui no Porto. Mas o artista andou na noite a gozar o S. João, comeu, bebeu demasiado e sentiu-se mal. Tínhamos aquilo tudo montado. E não houve concerto.”
Foi uma noite de reviravoltas até “chamarem a polícia”. Porque a coisa azedou mesmo.
“Primeiro, pediram-nos uma máquina de “flippers” para o camarim. Tudo bem, fomos ao “Marquês” e alugámos lá uma por cinco contos. O público já estava a ficar agitado, a desconfiar que algo não estava bem. E não estava! A seguir, queriam as grades da polícia em frente ao palco, coisa que ainda não se usava por cá. A seguir, disseram que o Lou Reed estava doente e não podia dar o espetáculo.”
E foi a partir daqui que Álvaro Azevedo e Sérgio Castro ficaram deveras preocupados. Com o equipamento musical e com o pagamento.
“Foi uma confusão de todo o tamanho. Insultos, pedradas, tentativas de invadir o palco. E nós só queríamos tirar dali o equipamento. Com muita dificuldade, lá conseguimos e colocámos na carrinha. Descarregámos próximo do “Lima 5”, junto à casa da tia do João Luís. Muito aborrecidos, tristes, revoltados, prevíamos que não ia haver pagamento.”
E daí nasceu uma canção emblemática que foi dar nome a um álbum.
“ O Sérgio (Castro) para descomprimir, começou a tocar uns acordes na sua guitarra e a cantarolar ”get the police…get the police”. E assim nasceu o “Chamem a Polícia”
E, dizemos nós, no encarte do LP, no topo da letra vinha escrito “Chamem a Pulíssia”.
Descendo a avenida
Quando surgiram, em 1980, além das características especiais da banda, também o seu nome “Trabalhadores do Comércio” gerou grande surpresa. Um nome tão incomum para uma banda rock como as suas particularidades ao nível das letras, da oralidade e da ortografia.
“Estávamos em Lisboa a gravar os primeiros temas e ainda não tínhamos nome para a banda. Uma noite, o Sérgio e eu, descíamos uma avenida da capital e vimos as pareces cheias de cartazes alusivos à “Greve dos Trabalhadores do Comércio”. Olhámos uma para o outro e como diziam que o nosso projeto era bem comercial, ficou o nome: Trabalhadores do Comércio”.
E a partir daí, aquela geração divertiu-se a ouvi-los e nunca mais esqueceu, entre outras, “De Manhã eu Bou au Pom”;”Taquetinho ou lebas no fucinho”; “ Eu só páro lá no Lima 5, sou o meu da grabatinha e brinco”; Soue um gaijo do Pôrto” ou “Binde Ber istu”. Dezenas de temas muito divertidos.
Álvaro Azevedo, o baterista, começou a carreira em 1967 nos “Pop Five Music Incorporated”; além dela, compunham a equipa, o Tozé Brito, Paulo Godinho ( irmão do Sérgio Godinho) e Miguel Graça Moura. O seu álbum “A Peça” foi o primeiro de rock gravado em estúdio por um grupo nacional.
Depois, formou a “Arte e Ofício” com o Sérgio Castro. A que se juntaram o António Garcês, António Pinho Vargas e Fernando Nascimento. Cantavam em inglês, mas já havia quem espreitasse pela janela da mudança de estilo.
“ O Sérgio Castro mostrou umas músicas à banda que as recusou. Argumentavam que aquilo era “new wave”, não era para eles. E o Sérgio guardou-as. Viemos a utilizá-las nos “Trabalhadores do Comércio”
João Luís Médicis
Quarenta e muitos anos e três filhos depois – João Luís têm agora 50 de idade – o “puto” tornou-se num músico de excelência. Discreto, como já era nos anos 80.
Mas quem teve a oportunidade de assistir aos seus concertos com o Sérgio e o Álvaro, jamais o esquece. Era impensável, naquela época, pôr uma criança de sete ou oito anos a cantar rock em cima de um palco. Às vezes, em cima de uma cadeira.
“Íamos muitas vezes à zona do Lima (Rua da Constituição, onde outrora fora o Estádio do Lima e, depois, o Restaurante Lima 5, ambos já desparecidos). Morava lá uma amiga do Sérgio que era tia do João. E ele andava sempre atrás de nós. Gostava muito de nos ouvir tocar”
E tanto gostava que acabou por ser a peça-chave do sucesso. Álvaro continua a explicação.
“Uma ocasião estávamos lá e acabámos uma canção – “Que Me Dizes Ó concurso na Têbê – e nenhum de nós estava com muita disposição para cantar o tema. E o João, no alto dos seus sete anos, disse: canto eu!”
E cantou. E encantou! Revelou ao Álvaro e ao Sérgio, algo que não estavam à espera: capacidade para cantar bem!
“Cantou muito bem. Com as paragens e tudo!”– salienta Álvaro Azevedo
E lá tiveram os dois amigos que pedir autorização.
“Estávamos sempre a pedir ao pai do João para o deixar ir connosco. Para autorizar. Foi connosco para Lisboa gravar e cantar “A cançon quiu abôe minsinou”. Era de um preciosismo tal que, depois de gravar, quando ouvia no estúdio, muitas vezes dizia: “sou capaz de fazer melhor”. Fazia tudo muito bem feito. E nos playbacks, quando eram necessários, nunca vi ninguém fazê-los tão bem como o João Luís.” – rematou o baterista.
A dobrar os 43 anos de vida, os Trabalhadores do Comércio voltam com novos temas. É como diz o Álvaro Azevedo: “ Nunca deixámos de existir, deixámos apenas de exercer durante uns tempos”.
Jornalista