16.4 C
Porto
18.6 C
Lisboa
19.9 C
Faro
Domingo, Outubro 13, 2024

Sem Som de Lou Reed Chamaram a Polícia

Quem o fez foram os Trabalhadores do Comércio, uma banda divertida, fora do comum; além de ter um miúdo de 8 anos como “estrela”, João Luís Médicis, cantavam com sotaque “à moda do Porto”. Quem adivinharia que, ao faltar ao concerto agendado no Porto, Lou Reed daria origem ao mais conhecido álbum da icónica banda portuense.

As mais lidas

Álvaro Azevedo – com João Luís Médicis e Sérgio Castro – formavam a banda Trabalhadores do Comércio – contou a “O Cidadão” a tormentosa noite em que Lou Reed falhou o concerto no Pavilhão Infante de Sagres, no Porto. No dia 24 de Junho de 1980.
“Nós estávamos na organização, alugámos o nosso equipamento para o concerto do Lou Reed em Cascais e aqui no Porto. Mas o artista andou na noite a gozar o S. João, comeu, bebeu demasiado e sentiu-se mal. Tínhamos aquilo tudo montado. E não houve concerto.”
Foi uma noite de reviravoltas até “chamarem a polícia”. Porque a coisa azedou mesmo.
“Primeiro, pediram-nos uma máquina de “flippers” para o camarim. Tudo bem, fomos ao “Marquês” e alugámos lá uma por cinco contos. O público já estava a ficar agitado, a desconfiar que algo não estava bem. E não estava! A seguir, queriam as grades da polícia em frente ao palco, coisa que ainda não se usava por cá. A seguir, disseram que o Lou Reed estava doente e não podia dar o espetáculo.”
E foi a partir daqui que Álvaro Azevedo e Sérgio Castro ficaram deveras preocupados. Com o equipamento musical e com o pagamento.
“Foi uma confusão de todo o tamanho. Insultos, pedradas, tentativas de invadir o palco. E nós só queríamos tirar dali o equipamento. Com muita dificuldade, lá conseguimos e colocámos na carrinha. Descarregámos próximo do “Lima 5”, junto à casa da tia do João Luís. Muito aborrecidos, tristes, revoltados, prevíamos que não ia haver pagamento.”
E daí nasceu uma canção emblemática que foi dar nome a um álbum.
“ O Sérgio (Castro) para descomprimir, começou a tocar uns acordes na sua guitarra e a cantarolar ”get the police…get the police”. E assim nasceu o “Chamem a Polícia”
E, dizemos nós, no encarte do LP, no topo da letra vinha escrito “Chamem a Pulíssia”.

 

trabalhadores 1
Direitos Reservados

                                                               Descendo a avenida

Quando surgiram, em 1980, além das características especiais da banda, também o seu nome “Trabalhadores do Comércio” gerou grande surpresa. Um nome tão incomum para uma banda rock como as suas particularidades ao nível das letras, da oralidade e da ortografia.
“Estávamos em Lisboa a gravar os primeiros temas e ainda não tínhamos nome para a banda. Uma noite, o Sérgio e eu, descíamos uma avenida da capital e vimos as pareces cheias de cartazes alusivos à “Greve dos Trabalhadores do Comércio”. Olhámos uma para o outro e como diziam que o nosso projeto era bem comercial, ficou o nome: Trabalhadores do Comércio”.
E a partir daí, aquela geração divertiu-se a ouvi-los e nunca mais esqueceu, entre outras, “De Manhã eu Bou au Pom”;”Taquetinho ou lebas no fucinho”; “ Eu só páro lá no Lima 5, sou o meu da grabatinha e brinco”; Soue um gaijo do Pôrto” ou “Binde Ber istu”. Dezenas de temas muito divertidos.
Álvaro Azevedo, o baterista, começou a carreira em 1967 nos “Pop Five Music Incorporated”; além dela, compunham a equipa, o Tozé Brito, Paulo Godinho ( irmão do Sérgio Godinho) e Miguel Graça Moura. O seu álbum “A Peça” foi o primeiro de rock gravado em estúdio por um grupo nacional.
Depois, formou a “Arte e Ofício” com o Sérgio Castro. A que se juntaram o António Garcês, António Pinho Vargas e Fernando Nascimento. Cantavam em inglês, mas já havia quem espreitasse pela janela da mudança de estilo.
O Sérgio Castro mostrou umas músicas à banda que as recusou. Argumentavam que aquilo era “new wave”, não era para eles. E o Sérgio guardou-as. Viemos a utilizá-las nos “Trabalhadores do Comércio”

 

TRABALHADORES 2
Direitos Reservados

 

TRABALHADORES 4
Direitos Reservados

 

 

 

                                                   João Luís Médicis

Quarenta e muitos anos e três filhos depois – João Luís têm agora 50 de idade – o “puto” tornou-se num músico de excelência. Discreto, como já era nos anos 80.
Mas quem teve a oportunidade de assistir aos seus concertos com o Sérgio e o Álvaro, jamais o esquece. Era impensável, naquela época, pôr uma criança de sete ou oito anos a cantar rock em cima de um palco. Às vezes, em cima de uma cadeira.
“Íamos muitas vezes à zona do Lima (Rua da Constituição, onde outrora fora o Estádio do Lima e, depois, o Restaurante Lima 5, ambos já desparecidos). Morava lá uma amiga do Sérgio que era tia do João. E ele andava sempre atrás de nós. Gostava muito de nos ouvir tocar”
E tanto gostava que acabou por ser a peça-chave do sucesso. Álvaro continua a explicação.
“Uma ocasião estávamos lá e acabámos uma canção – “Que Me Dizes Ó concurso na Têbê – e nenhum de nós estava com muita disposição para cantar o tema. E o João, no alto dos seus sete anos, disse: canto eu!”
E cantou. E encantou! Revelou ao Álvaro e ao Sérgio, algo que não estavam à espera: capacidade para cantar bem!
“Cantou muito bem. Com as paragens e tudo!”– salienta Álvaro Azevedo
E lá tiveram os dois amigos que pedir autorização.
Estávamos sempre a pedir ao pai do João para o deixar ir connosco. Para autorizar. Foi connosco para Lisboa gravar e cantar “A cançon quiu abôe minsinou”. Era de um preciosismo tal que, depois de gravar, quando ouvia no estúdio, muitas vezes dizia: “sou capaz de fazer melhor”. Fazia tudo muito bem feito. E nos playbacks, quando eram necessários, nunca vi ninguém fazê-los tão bem como o João Luís.” – rematou o baterista.
A dobrar os 43 anos de vida, os Trabalhadores do Comércio voltam com novos temas. É como diz o Álvaro Azevedo: “ Nunca deixámos de existir, deixámos apenas de exercer durante uns tempos”.



- Publicidade -spot_img

Mais artigos

- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img