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Sábado, Outubro 4, 2025

O poleiro não é democracia – Por Pedro Barros

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Sempre ouvi dizer que a política local é a mais nobre das políticas.
Por estar próxima das pessoas, por lidar com os problemas concretos,
por ser menos abstrata e distante do que a que se decide em Lisboa. Em
teoria, faz sentido: o município é a casa do cidadão, a primeira
linha da democracia. Mas na prática, essa promessa tem sido traída por
uma tentação demasiado antiga: a do poleiro.

Todos conhecemos exemplos de autarcas que se eternizam, convencidos de
que a câmara municipal é extensão da sua biografia pessoal. O cargo,
que deveria ser um serviço temporário, transforma-se em carreira
vitalícia. E o município, que deveria ser instituição pública,
acaba muitas vezes convertido em palco de autopromoção, numa rotina de
inaugurações, festas e discursos que escondem a opacidade das contas e
das decisões.

A questão é estrutural, não apenas individual. Criámos um sistema
onde os mesmos partidos monopolizam o espaço, onde as redes
clientelares garantem votos e onde a alternância é quase sempre mais
exceção do que regra. A democracia local, que devia ser escola de
cidadania, cai assim no risco de degenerar em mera gestão de
influências. E quando isso acontece, instala-se o pior inimigo da
democracia: a indiferença. Um cidadão que olha para a sua autarquia e
pensa “são todos iguais” deixa de exigir, deixa de participar,
resigna-se.

Um autarca forte não é o que governa décadas a fio, nem o que corta
fitas de manhã à noite. É o que tem coragem de governar com
transparência, de abrir processos à luz do dia, de assumir decisões
que não rendem votos, mas resolvem problemas. Força é clareza, não
caciquismo. Legitimidade é transparência, não marketing de ocasião.

Hannah Arendt lembrava que a política só existe na pluralidade. Mas a
realidade de muitas autarquias portuguesas é o contrário disso:
monopólio de siglas, rostos que se repetem, dinastias locais que se
apresentam como inevitáveis. Este fechamento empobrece a democracia e
reduz o cidadão a espectador cínico, incapaz de acreditar na mudança.

O poder local precisa de líderes que não confundam cargos com
propriedade privada. Que compreendam que entrar e sair faz parte da
saúde democrática. Que vejam o município não como pedestal, mas como
missão transitória. Só assim o poder local poderá cumprir aquilo
para que existe: servir os cidadãos, e não servir-se deles.

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