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Quinta-feira, Março 27, 2025

“O Homem Criou Deus” de Onofre Varela cruza coragem com pesquisa exaustiva para poder ser lido por crentes e não crentes

"O Homem Criou Deus", em 2ª edição revista e aumentada, é o mais recente trabalho de Onofre Varela, apresentado no Ateneu Comercial do Porto. Uma análise profunda ao ateísmo, partindo sempre da experiência pessoal. Uma forma elevada, tolerante e muito bem fundamentada de tratar um tema tão complexo.

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varela
“O Homem Criou Deus”, 2ª edição, revista e aumentada

 

Três temas franceses, interpretados por Álvaro Vilaverde, criaram um ambiente perfeito para a reflexão ali feita, no Ateneu Comercial do Porto, entre os trabalhos de Varela e que maracaram os 60 anos da sua carreira artística.

Mas o livro “O Homem Criou Deus” foi o protagonista dessa tarde.

Onofre Varela é ateu. O seu pai também era e, por isso, não o baptizou.

Sou filho de pai ateu e mãe cristã-nova. O conceito de Deus sempre me passou ao lado vertiginosamente. Não fui baptizado em bebé, como é comum, porque o mau pai não quis baptizar os filhos. Quando tivessem idade para enteder esse assunto, poderiam fazê-lo eles.”

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Foto de ANTÓNIO PROENÇA

No livro “O Homem Criou Deus”, Varela assume a defesa do ateísmo. Mas não é uma defesa feita “à pressa” para “vender livros”. Longe disso. A 1ª edição foi escrita em 2009 e esta, 15 anos depois. Revista e aumentada. E a 1ª saiu apos 20 anos de estudo, pesquisa e reflexão.

A palavra “coragem” talvez tenha sito a que mais vezes foi referida durante a apresentação. Mas nunca usada por Onofre Varela, que encara esta forma de ver a religião com toda a naturalidade.

Na nossa sociedade, profundamente católica, quem se afirma ateu é olhado de soslaio. Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como ninguém nasce a saber ler e escrever. A língua materna aprende-se em família desde o berço. E a crença em Deus e participação numa fé religiosa também. Cada aduto é o resultado da criança que foi.” – refere o autor.

Porém, todos sabemos que o tema não é assim  tão “suave”. Há os fanatismos – demasiados! – que têm tornado a refllexão sobre Deus num grande pesadelo para ateus e agnósticos. Pelo que o editor Jorge Castelo, da Seda Publicações – editou ambos as edições – não se coíbe de usar o termo “coragem” para definir, também, este livro.

“Há uma palavra que define bem Onofre Varela, que é coragem! Não nos podemos esquecer que já em 2007, escrevera “O Peter Pan não existe”, primeira incursão na antropologia religiosa. E há no mundo 10 mil religiões!”

Para sustentar a coragem patenteada pelo autor, Castelo refere a experiência que teve quando lançou o livro do padre Mário Oliveira, “Fátima, S.A.”.

Chegaram a estar pessoas nas apresentações a interromperem e , inclusivamente, dispostas a agredir-nos fisicamente.” – disse Jorge Castelo

O ateu é muito mais tolerante do que grande parte dos religiosos. E isso percebe-e bem neste livro, que é fantástico e merece ser lido. O Onofre Varela está de parabéns por tê-lo escrito.”

Deus : espaço que a ciência ainda não ocupou

O livro foi apresentado pelo engenheiro Renato Soeiro que começou por salentar “O livro não é sobre Deus. É sobre a ideia de Deus. Muito forte, antiga e duradoura. Há muito a dizer sobre ela, E o Onofre Varela diz muito.”

Parece não haver dúvida de que a obra é importante. E interessante para crentes e não crentes, desde que tenham  tolerâcia e  disponibilidade mental e ideológica de pensar o assunto.

Renato Soeiro também procurou demonstrar à plateia um ideia de Deus

“Deus sabe tudo – é omnisciente; Deus pode tudo – é omnipotente e Deus é infinatamente bom. São as 3 características que definem, teoricamente, Deus. Se uma criança  está a ser abusada ou vai receber uma bomba que a vai esfacelar, Deus sabe, vê e deixa que aconteça. Logo, não é infinitamente bom. E se não o é, também não é Deus.”

E conclui

“Aos ateus, o desconhecido não lhes produz angústia. Aceitam com  humildade e humanismo a dimensão ínfima do conhecimemto humano, o que é normal e não problemático. Ao contrário, os teístas acham que o ser humano tem de dispor já hoje de todas as respostas a todas as perguntas, a todas as dúvidas, demostrando visão arrogante. E a ignorância, alicerçada numa estrutura arrogante faz nascer todos os deuses e todas as crenças religiosas. A ideia de Deus vai, para eles, ocupar todas as lacunas onde a ciência ainda não chegou.”

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Da esquerda para a direita, Jorge Castelo ( editor), Onofre Varela, Renato Soeiro e António Vilaverde ( Músico). Foto de ANTÓNIO PROENÇA

Quanto ao livro, é pragmático

“Nem crente ou ateu ficará igual quando acabar de ler este livro.”

Embondeiro

“O Homem Criou Deus”, apesar do tema “pesado” de que trata, não é difícil de ler. Primeiro, porque está bem escrito. Depois, está bem fundamentado, as ideias não aparecem com sobranceria.

Onofre Varela explica o momento em que houve o “clic” que o levou a aventurar-se a tão trabalhosa tarefa

A ideia de Deus passou-me sempre ao lado. Só no cumprimento do serviço militar, em Angola, é que senti curiosidade pelo fenómenos religioso.”

Também em Angola aconteceu algo que demonstra a minha religiosidade. Perante um embondeiro senti-me perante uma catedral. Aquela árvore merecia silêncio, como fazemos dentro de uma catedral. Senti que devia prestar um silêncio de respeito pelo que estava a ver – o embondeiro. Sinto o mesmo efeito perante a religiosidade. Eu acho que sou religioso por natureza.”

Ainda em África, durante a Guerra Colonial, o autor testemunhou aspectos que foram aguçando a sua curiosidade na ideia de Deus e na religião. Quando afirma que os seus camaradas rezavam para que não fossem feridos ou mortos

E eu pensava, se vier uma bala, eu só não morro se não me acertar em orgãos vitais ou for assistido a tempo.” – contrapõe

Ou a situação inaceitável para mim por que passou um camarada que era adventista. Ia assitir às missas católicas, era o lugar onde entendia que se encontrava com Deus. Mas os católicos chamavam-lhe “protestante” como se fosse um insulto e impediam-nos de assistir às missas.

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Álvaro VIlaverde. Foto de ANTÓNIO PROENÇA

E estava lançado o desafio para a 1ª edição de “O Homem Criou Deus.”

“Quando terminei o serviços militar, procurei em bibliotecas e livrarias, livros que falassem de religião e filosofia. Hume, Schopenhauer, Nietzsche, Kant, Santo Agostinho, Pascal, Tavares da Fonseca, entre outros, foram os filósofos que estudei. Para além do Catecismo Católico, da Bíblia e do Corão. Foram 20 anos de dedicação a tais leituras. Conversei com muitos religiosos, agnósticos e ateus. Frequentei missas para perceber o que se passava dentro dos templos. Quando tinha 40 anos, entendi ,com clareza, que era ateu. Com a certeza de o ser em consciência e não de “aviário”. Tinha argumentos para alicerçar a minha decisão.”

E assim nasce “O Homem Criou Deus”. De Onofre Varela

2ª Edição (revista e aumentada), Seda Publicações, 2024

Texto: Alberto Jorge Santos; fotos: António Proença; montagem vídeo: Filipe Romariz

 

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