Três temas franceses, interpretados por Álvaro Vilaverde, criaram um ambiente perfeito para a reflexão ali feita, no Ateneu Comercial do Porto, entre os trabalhos de Varela e que maracaram os 60 anos da sua carreira artística.
Mas o livro “O Homem Criou Deus” foi o protagonista dessa tarde.
Onofre Varela é ateu. O seu pai também era e, por isso, não o baptizou.
“Sou filho de pai ateu e mãe cristã-nova. O conceito de Deus sempre me passou ao lado vertiginosamente. Não fui baptizado em bebé, como é comum, porque o mau pai não quis baptizar os filhos. Quando tivessem idade para enteder esse assunto, poderiam fazê-lo eles.”
No livro “O Homem Criou Deus”, Varela assume a defesa do ateísmo. Mas não é uma defesa feita “à pressa” para “vender livros”. Longe disso. A 1ª edição foi escrita em 2009 e esta, 15 anos depois. Revista e aumentada. E a 1ª saiu apos 20 anos de estudo, pesquisa e reflexão.
A palavra “coragem” talvez tenha sito a que mais vezes foi referida durante a apresentação. Mas nunca usada por Onofre Varela, que encara esta forma de ver a religião com toda a naturalidade.
“Na nossa sociedade, profundamente católica, quem se afirma ateu é olhado de soslaio. Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como ninguém nasce a saber ler e escrever. A língua materna aprende-se em família desde o berço. E a crença em Deus e participação numa fé religiosa também. Cada aduto é o resultado da criança que foi.” – refere o autor.
Porém, todos sabemos que o tema não é assim tão “suave”. Há os fanatismos – demasiados! – que têm tornado a refllexão sobre Deus num grande pesadelo para ateus e agnósticos. Pelo que o editor Jorge Castelo, da Seda Publicações – editou ambos as edições – não se coíbe de usar o termo “coragem” para definir, também, este livro.
“Há uma palavra que define bem Onofre Varela, que é coragem! Não nos podemos esquecer que já em 2007, escrevera “O Peter Pan não existe”, primeira incursão na antropologia religiosa. E há no mundo 10 mil religiões!”
Para sustentar a coragem patenteada pelo autor, Castelo refere a experiência que teve quando lançou o livro do padre Mário Oliveira, “Fátima, S.A.”.
“ Chegaram a estar pessoas nas apresentações a interromperem e , inclusivamente, dispostas a agredir-nos fisicamente.” – disse Jorge Castelo
“O ateu é muito mais tolerante do que grande parte dos religiosos. E isso percebe-e bem neste livro, que é fantástico e merece ser lido. O Onofre Varela está de parabéns por tê-lo escrito.”
Deus : espaço que a ciência ainda não ocupou
O livro foi apresentado pelo engenheiro Renato Soeiro que começou por salentar “O livro não é sobre Deus. É sobre a ideia de Deus. Muito forte, antiga e duradoura. Há muito a dizer sobre ela, E o Onofre Varela diz muito.”
Parece não haver dúvida de que a obra é importante. E interessante para crentes e não crentes, desde que tenham tolerâcia e disponibilidade mental e ideológica de pensar o assunto.
Renato Soeiro também procurou demonstrar à plateia um ideia de Deus
“Deus sabe tudo – é omnisciente; Deus pode tudo – é omnipotente e Deus é infinatamente bom. São as 3 características que definem, teoricamente, Deus. Se uma criança está a ser abusada ou vai receber uma bomba que a vai esfacelar, Deus sabe, vê e deixa que aconteça. Logo, não é infinitamente bom. E se não o é, também não é Deus.”
E conclui
“Aos ateus, o desconhecido não lhes produz angústia. Aceitam com humildade e humanismo a dimensão ínfima do conhecimemto humano, o que é normal e não problemático. Ao contrário, os teístas acham que o ser humano tem de dispor já hoje de todas as respostas a todas as perguntas, a todas as dúvidas, demostrando visão arrogante. E a ignorância, alicerçada numa estrutura arrogante faz nascer todos os deuses e todas as crenças religiosas. A ideia de Deus vai, para eles, ocupar todas as lacunas onde a ciência ainda não chegou.”
Quanto ao livro, é pragmático
“Nem crente ou ateu ficará igual quando acabar de ler este livro.”
Embondeiro
“O Homem Criou Deus”, apesar do tema “pesado” de que trata, não é difícil de ler. Primeiro, porque está bem escrito. Depois, está bem fundamentado, as ideias não aparecem com sobranceria.
Onofre Varela explica o momento em que houve o “clic” que o levou a aventurar-se a tão trabalhosa tarefa
“A ideia de Deus passou-me sempre ao lado. Só no cumprimento do serviço militar, em Angola, é que senti curiosidade pelo fenómenos religioso.”
“Também em Angola aconteceu algo que demonstra a minha religiosidade. Perante um embondeiro senti-me perante uma catedral. Aquela árvore merecia silêncio, como fazemos dentro de uma catedral. Senti que devia prestar um silêncio de respeito pelo que estava a ver – o embondeiro. Sinto o mesmo efeito perante a religiosidade. Eu acho que sou religioso por natureza.”
Ainda em África, durante a Guerra Colonial, o autor testemunhou aspectos que foram aguçando a sua curiosidade na ideia de Deus e na religião. Quando afirma que os seus camaradas rezavam para que não fossem feridos ou mortos
“E eu pensava, se vier uma bala, eu só não morro se não me acertar em orgãos vitais ou for assistido a tempo.” – contrapõe
“ Ou a situação inaceitável para mim por que passou um camarada que era adventista. Ia assitir às missas católicas, era o lugar onde entendia que se encontrava com Deus. Mas os católicos chamavam-lhe “protestante” como se fosse um insulto e impediam-nos de assistir às missas.
E estava lançado o desafio para a 1ª edição de “O Homem Criou Deus.”
“Quando terminei o serviços militar, procurei em bibliotecas e livrarias, livros que falassem de religião e filosofia. Hume, Schopenhauer, Nietzsche, Kant, Santo Agostinho, Pascal, Tavares da Fonseca, entre outros, foram os filósofos que estudei. Para além do Catecismo Católico, da Bíblia e do Corão. Foram 20 anos de dedicação a tais leituras. Conversei com muitos religiosos, agnósticos e ateus. Frequentei missas para perceber o que se passava dentro dos templos. Quando tinha 40 anos, entendi ,com clareza, que era ateu. Com a certeza de o ser em consciência e não de “aviário”. Tinha argumentos para alicerçar a minha decisão.”
E assim nasce “O Homem Criou Deus”. De Onofre Varela
2ª Edição (revista e aumentada), Seda Publicações, 2024
Texto: Alberto Jorge Santos; fotos: António Proença; montagem vídeo: Filipe Romariz
Jornalista