Era 25 de novembro de 1975. O país ainda respirava o fervor do 25 de abril, mas, àquela altura, o aroma libertador da Revolução dos Cravos começava a misturar-se com o cheiro metálico da pólvora e da discórdia. Portugal vivia um caos de ideias, de forças, de vontades tendo mergulhado num período de grande instabilidade política.
Entre as sombras de quartéis e os gabinetes das novas lideranças, uma questão pairava como uma nuvem pesada: para onde iríamos? A democracia era uma promessa, mas havia quem quisesse desviá-la para um caminho mais sombrio.
O Processo Revolucionário em Curso (ou PREC, como todos chamavam) já tinha mostrado que revoluções não são flores que se plantam sem espinhos. Grupos radicais, muitos alinhados ao Partido Comunista, sonhavam com um Portugal vermelho, uma nação erguida nos moldes dos países do bloco soviético.
Nas ruas, os trabalhadores ocupavam fábricas, as terras eram tomadas à força, e a tensão crescia. Do outro lado, vozes moderadas temiam que, depois de décadas de ditadura de direita, Portugal estivesse a caminho de outra forma de autocracia, agora de esquerda.
E então veio o 25 de novembro. Foi como se a tempestade finalmente desabasse. Dentro dos quartéis, as facções militares dividiam-se. Unidades mais radicais, lideradas por setores alinhados com o PCP e influenciados por movimentos revolucionários de inspiração marxista-leninista, ligadas ao COPCON e ao major Otelo Saraiva de Carvalho e de outros militares que controlavam unidades-chave, tomavam posições estratégicas.
Era o prelúdio de um golpe, temia-se. Do outro lado, comandados por António Ramalho Eanes e outros líderes moderados, militares alinhados com a democracia decidiram que não podiam ficar parados e procuraram articular uma resposta para evitar a radicalização.
Nas primeiras horas daquele dia, o país prendeu a respiração. Com tanques nas ruas e comunicações tensas entre comandantes, os confrontos começaram. Não era só uma batalha de armas; era um embate de visões para o futuro de Portugal.
A esquerda radical foi neutralizada, e o movimento golpista fracassou.
No fim do dia, o resultado não era apenas militar. Era político, era moral, era histórico. Portugal tinha feito uma escolha. Decidimos que o caminho seria a democracia pluralista, onde todos os pensamentos teriam lugar, mas sem a tirania de uma ideologia única. A ideia de uma autocracia comunista, que parecia tão próxima, esfumou-se.
A vitória não foi estampada com celebrações nas ruas, mas com a reafirmação de um equilíbrio frágil. Os militares recuaram, os extremismos foram contidos, e Portugal tomou a decisão de seguir um caminho democrático, afastando o risco de uma guerra civil.
A partir daquele momento, o PREC começou a perder força, e o país deu os primeiros passos firmes rumo à estabilidade. Em 1976, a Constituição selaria o compromisso com a democracia.
Hoje, ao olharmos para trás, é difícil imaginar como andamos tão perto do abismo. Mas o 25 de novembro foi o dia em que escolhemos a liberdade, lembrando que revoluções libertam, mas a democracia é quem mantém a liberdade viva.
Fotógrafo/Editor/Engenheiro Eletrotécnico