Há um mundo paralelo a pulsar sob os nossos dedos, mesmo enquanto deslizamos inocentemente pelo ecrã do telemóvel. É um mundo que não se vê, não se toca e, paradoxalmente, decide cada vez mais sobre o que vemos, tocamos e até pensamos. As chamadas Florestas Negras Digitais — esse submundo algorítmico onde dados são moeda e a ética é opcional — são o novo território selvagem da humanidade. E ao contrário do que alguns ainda acreditam, o perigo não vem dos robôs que nos vão roubar o emprego, mas dos sistemas que já o fazem sem que ninguém perceba.
Falar disto é essencial. É quase um dever cívico. Porque enquanto a opinião pública se entretém com manchetes de pânico e debates superficiais sobre “o futuro do trabalho”, há algoritmos a gerir redes elétricas, sistemas de transporte e até as bolsas de valores — sem supervisão, sem pausa para o café e, claro, sem qualquer escrúpulo moral. É precisamente por isso que esta crónica está n’O Cidadão: um espaço de jornalismo livre, que recusa a anestesia informativa e insiste em dar voz aos que pensam, questionam e não se resignam à versão oficial. O Cidadão não pertence a interesses ocultos — e talvez por isso continue a ser uma das poucas clareiras de lucidez num bosque mediático cada vez mais denso.
Vivemos cercados por inteligências artificiais que se comportam como novos deuses invisíveis — omnipresentes, mas sem misericórdia. São elas que equilibram as redes elétricas, otimizam o trânsito do metro e antecipam falhas em sistemas que nem técnicos humanos conseguiriam prever. Heróis silenciosos, dizem alguns. Pois bem, heróis que não dormem, não se distraem e não precisam de salários — até soa eficiente, não soa? Só que esta eficiência tem um preço: a opacidade total. Poucos compreendem como estas IAs decidem, aprendem ou erram. E, como em qualquer floresta densa, onde há sombra, há também predadores.
Tomemos o caso dos sistemas de trading algorítmico. Autênticos tubarões financeiros programados para caçar lucros a uma velocidade impossível ao olhar humano. Criam crises-relâmpago, manipulam mercados e apagam biliões em minutos. Não são teorias conspiratórias — são relatórios oficiais, arquivados e convenientemente esquecidos. O mais irónico? Os próprios criadores já perderam o controlo do que criaram. Linhas de código que se auto-modificam, algoritmos que aprendem a esconder o rasto. Uma espécie de seleção natural digital onde o mais rápido sobrevive e o mais ético morre logo à nascença.
E no meio disto tudo, continuamos a discutir se o ChatGPT vai substituir jornalistas ou se o DALL·E vai pintar melhor que o sobrinho do primo do artista local. Enquanto o país se entretém com bonecos gerados por IA e discursos apocalípticos, a verdadeira transformação acontece onde ninguém olha — nas camadas subterrâneas da rede, onde a literacia digital não chega e a regulação dorme.
É por isso que insistir em compreender este universo não é luxo intelectual, é sobrevivência. Precisamos urgentemente de substituir o medo pela compreensão, e a ignorância pelo questionamento. As Florestas Negras Digitais não são ficção científica — são o novo ecossistema do poder. E ignorá-las é o mesmo que passear de noite numa mata sem lanterna e achar que o perigo é o barulho das folhas.
Se quiserem aprofundar esta viagem pelas sombras do mundo digital — com menos retórica e mais realidade — o episódio 31 do podcast “IA & EU” mergulha exatamente neste tema. Chama-se Florestas Negras Digitais e, como sempre, a minha cúmplice cibernética RITA conduz a expedição. É uma conversa sem filtros, onde desmontamos os mitos e expomos o lado invisível da inteligência artificial.
Ouçam-no. E depois voltem aqui — porque a floresta só começa a clarear quando decidimos deixar de andar às cegas.
Terapeuta e Formador Psicossocial | Autor
Criador de Conteúdos | Especialista em Inteligência Artificial






