8.5 C
Porto
Sábado, Dezembro 2, 2023

Liberdade: amar sem pertencer e viver sem dominar

As mais lidas

Rosa Maria Aranha
Rosa Maria Aranha
Advogada / Responsável pelo projeto StopViolênciaContraMulheres

A liberdade é posta em causa já no namoro, se a isso o permitirmos.

Os comportamentos abusivos, controladores e manipuladores indexados a atitudes violentas repetidas ou pontuais são cada vez mais descaraterizados e incompreensivelmente aceites levianamente; ou porque se permite ou se tem medo de encarar;até porque, e mais grave ainda, é considerado como normal e irrelevante: nada mais do que, afinal, simples e meros ciúmes – pensa-se.

Essa violência é catastrófica e apresenta-se sob a forma física, psicológica, sexual ou de outras formas mais acutilantes. Direcionadas, intencionalmente e duramente expressivas, como por exemplo: desconsiderar, anular e humilhar em viva voz a pessoa com quem se namora, perante outras pessoas. E ainda, ameaçar, manipular, ter ciúmes excessivos, aceder a contas bancárias ou eletrónicas, ser “stalking”, isto é, perseguidor persistente.

Acontece que, em relações de namoro ou conjugais , tenho vindo a assistir e a reconhecer de que o estado de vulnerabilidade, aliado ao medo e ao receio é cada vez mais maior, conjugados ou pela perda da pessoa com quem se tem uma relação ou pela própria solidão; e por isso, amargamente, silenciada.

Na verdade, existem sinais (red flags) e critérios que se desvalorizam e que constituem um quadro de violência – já visíveis e detetáveis no namoro – e que se repercutem, drástica e vivamente, para a união de facto/casamento, caso não se reconheçam, tempestiva e atempadamente, os alertas e não se coloque, no imediato, um travão ou um ponto final.

Lamentavelmente, em Portugal, o número de vítimas de violência no namoro tem vindo a aumentar, em que já dois em cada cinco jovens admitem terem sido vítimas de comportamentos, física e emocionalmente abusivos numa relação de namoro. É uma constatação, alarmante e deveras preocupante, nos jovens nos dias de hoje.

Infelizmente, deparo-me com variadíssimas confissões:
“Senti-me vulnerável e fui vítima de agressão física e psicológica”, “admito ter sido pressionada”, sem sentido e sem qualquer tipo de consentimento da minha parte”, “estava a ser controlada, usada e manipulada sem saber, como pude estar cega”, “envolvi-me e sujeitei-me por dependência emocional e por falta de autoestima”, “pensei que tudo não era mais do que atos de amor”, ”fui fraca, deixei-me levar, não tinha forças, tive medo e receio de represálias, não conseguia libertar-me”, senti-me culpada e responsável”, “tive medo e receio de ficar só, viver na solidão”, “não sabia o que fazer nem a quem recorrer”, “tive medo de ser julgada pela sociedade”, “não tive coragem de dizer basta até ao dia em que fui parar ao hospital”, …
entre outros e muitos tristes testemunhos vivenciados, mas libertadores da dor, sofrimento, angústia, medo e receio, e por isso movidos pela força e coragem de dizerem BASTA!

Assim sendo, apresento um quadro, de consenso generalizado, por parte das Organizações de Saúde Mental e intervenção comunitária, na qual poderá verificar se, porventura, em alguma situação foi ou ainda é vítima de violência na relação de namoro/união de facto ou conjugal:
– Perde facilmente o controlo quando está perante uma crise de ciúmes e promove a ideia de que ciúmes é sinal de amor;
– Impõe-se para escolher os teus amigos ou proíbe-te de conviver com determinadas pessoas;
– Controla excessivamente os teus movimentos, querendo saber constantemente ondes estás e com quem estás;
-Provoca insegurança, causando medo de expressares a tua opinião;
-Não é sensível às tuas necessidades nem dos seus amigos, focando-se nas suas próprias necessidades;
“-Torna-se facilmente violento/a, não existindo um acontecimento específico que justifique tal reação;
-Quando se sente irritado/a facilmente parte objetos ou dirige a sua raiva para algo ou alguém;
-Fica agressivo/a quando obtém de si uma opinião discordante da sua;
-Humilha, insulta, desvaloriza e ridiculariza, em situação privada e/ou pública;
-Controla recorrentemente o seu telemóvel, as suas contas de email e redes sociais virtuais;
-Obriga ou persuade a ter relações sexuais contra a sua vontade;
-Culpabiliza pelas reações agressivas que tem e, em geral, pela sua forma de agir.”

Caso vivencie ou conheça alguém em alguma destas situações, não permita nem mais um dia de sofrimento, dor e angústia. Não sofra mais em silêncio, peça ajuda! Denuncie!

Isto posto, a verdadeira mudança só existe quando realmente algo fica para trás: partimos ou ficamos! Devemos embarcar e não ficar a meio caminho! Devemos ter consciência de que não temos culpa, que nada justifica as atitudes e os comportamentos violentos que nos foram dirigidos, não existe a obrigação de nos mantermos numa relação na qual somos desrespeitados, devemos denunciar a violência, devemos estar sempre sob um estado vigilante e, nunca por nunca, permitir que, como ser pensante que somos, a falta de liberdade domine a nossa vontade de estar, de pensar e de agir.

Pense que tudo o que a/o impede de ser, o que é como pessoa, é uma forma, severa e cutilante, de a/o violentar!



- Publicidade -spot_img

Mais artigos

- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img