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Segunda-feira, Dezembro 29, 2025

Infância em sobressalto. Silêncio entre portas – Por Rosa Fonseca

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A violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano.”

João Paulo II



A violência doméstica é um flagelo que abala os alicerces da nossa sociedade.

Diariamente as notícias não nos deixam esquecer que há casas habitadas por lagrimas negras e corações em silêncio. Os gritos, tantas vezes abafados pela vergonha, misturam-se com o ranger das portas fechadas, com o som dos pratos contra a parede e onde o choro infantil se aprende a calar cedo demais.

Há casas onde as paredes sabem mais do que deveriam. Nestas casas, a infância deixa de ser um lugar de afetos e abrigo e transforma-se num campo de sobrevivência. É entre paredes que se cala o amor. Questiono-me se algum dia houve amor.

A violência doméstica não se limita a quem é diretamente agredido: as crianças que a testemunham, escondem cicatrizes persistentes que não aparecem nos exames médicos, mas que se refletem no sono interrompido, na dificuldade de concentração, na desconfiança, no medo constante de que tudo volte a desabar. Vivem com o coração em sobressalto. Crescer assim, é aprender que o amor pode doer, que o afeto vem acompanhado de ameaça, que o silêncio é a melhor defesa. É crescer a saber, exatamente, quando o silêncio é o prelúdio da tempestade. Uma tempestade que se lê nos passos pesados no corredor como quem lê um abecedário de medo.

A violência doméstica interrompe drasticamente a infância.

Estas crianças não vivem com um pai, vivem com um agressor.

Muitos destes meninos e meninas tornam-se adultos receosos, inseguros, por vezes repetindo os padrões que conheceram. Outros, pelo contrário, fazem da dor alavanca para quebrar o ciclo – mas o caminho é sempre mais duro, mais íngreme. O que deveria ser a base sólida da vida transforma-se em terreno movediço, onde qualquer passo parece perigoso.

E nós, enquanto sociedade assistimos muitas vezes de longe, a olhar para o lado, cúmplices pelo silêncio. Os vizinhos que “não querem meter-se”, as escolas que se focam apenas nas notas, os serviços que chegam tarde demais. Falhamos, coletivamente, quando não vemos a criança que se encolhe no canto da sala, quando ignoramos o olhar assustado que procura proteção.

Não há como negar que isto continua a fazer parte do quotidiano de muitas crianças.

A infância não se pode pautar por gritos ou violência. Ela tem que ser alicerçada de momentos de carinho, compreensão e, acima de tudo, de abraços que transmitam segurança e amor.

É urgente devolver a infância a todas as crianças que vivem as agruras da violência; um crime que tem que ser severamente punido.

É premente estarmos em alerta ao que se passa ao nosso lado. Um simples gesto, como perguntar se ela está bem, demonstrar atenção ou até mesmo fazer uma ligação para oferecer apoio, pode fazer toda a diferença. São atitudes que podem ajudar a criar um ambiente mais seguro e acolhedor, onde a criança se sinta ouvida e protegida. A dignidade de cada um tem que ser perentoriamente defendida e respeitada.

E, mais uma vez, cada um de nós tem o dever de contribuir para um mundo mais justo e seguro para todas as crianças e não permitirmos a banalização e alheamento deste flagelo que prolifera em todas as suas dimensões.

Porque silenciar é estar na mesma linha do agressor.

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