A história será responsável pelo registo dos momentos terroríficos, sentidos por todos aqueles que viveram a brutalidade da depressão do quarto fim-de-semana de Março 2025.
Ninguém podia ter imaginado, mesmo os que dizem que estamos num país à beira-mar plantado e estranham quando chega a altura da rega, que o desespero seria tamanho. Alguma entidade divina, com excesso de água nas barragens celestiais, resolveu efectuar uma descarga sagrada e controlada no nosso território. Chuva e aguaceiros provocaram um cenário de terror digno dos filmes de ficção científica destinados aos mais corajosos. Uma verdadeira oferta pluvial, numa altura em que as tarifas da água vão sofrer um valente aumento.
As árvores também participaram: cortaram raízes e destruíram viaturas, habitações e inclusive capelas – lançando graves suspeitas sob o Mafarrico. Tamanho cenário de guerra fez com que as chamadas para a Protecção Civil ultrapassassem as inscrições para o “Show me the Money”. Estradas cortadas devido a inundações. Condutores de viaturas ligeiras que, num gesto de fanfarronice, enfrentaram os lençóis de água e neste momento têm uma gôndola em vez de um carro. Um muro que ruiu e causou danos em mais de trinta campas num cemitério – alguns idosos viúvos temendo a troca dos corpos, acompanham as obras de recuperação, para garantir que a defunta não regressa a casa! Muitos tectos separaram-se do resto das habitações e caíram bancadas de alguns estádios. Tudo isto é bastante revelador da qualidade de construção praticada por cá: para aumentar os lucros, usam palitos em vez de vigas de ferro. Com bastante cimento, ninguém há-de reparar…
O epicentro do desnorte registou-se num parque empresarial. Mais de vinte empresas receberam, sem aviso, a visita das águas que se libertaram de um colector bloqueado. As vítimas (os patrões) deram conta, aos serviços noticiosos, da incompetência dos que apareceram para salvar a situação. Testemunhos relataram que entre falta de equipamento, o que levaram não estava minimamente adequado.
Começou, assim, a dança das mangueiras e das bombas extractoras. Após algumas horas de directo, o próprio comentador duvidava da capacidade da equipa de salvamento porque o nível da água aumentava, em vez de diminuir.
Numa outra reportagem, ficou patente a dificuldade em agilizar a Protecção Civil numa sexta-feira à noite e durante o fim-de-semana. Até porque não há excepções e até as desgraças devem cumprir horários! Depois da tempestade (claro exagero da minha parte!) vem a bonança.
É altura de limpar o rasto de destruição, procurar alguns equipamentos (porque abriram todas as tampas de esgoto provocando um efeito de sucção) e, claro está, atribuir responsabilidades para saber quem vai pagar. Tendo em conta a nossa maneira de actuar, tenho a firme certeza de que as culpas serão atribuídas mais depressa que o escoamento das águas.

Maquinista na Metro do Porto