Nunca fui conhecido por ter grandes rasgos de memória. Aliás, para os gatunos, seria a testemunha ideal porque não seria capaz de descrever os meliantes. Talvez para não ocupar a capacidade disponível, o meu cérebro despacha as tarefas e automaticamente dá o expediente como encerrado. Como tal, fico extremamente feliz por fazer parte de um mundo que fotografa, grava e regista tudo o que se faz no dia-a-dia – uma espécie de autobiografia, construída à medida que os acontecimentos surgem.
A malta que presenciou o (agora célebre) apagão de 28/4 tem matéria para explorar durante os próximos quinze dias! Mais que as peripécias e trapalhadas daqueles senhores que nos deveriam proteger – e, mais uma vez, se prova que este país é fantástico para os humoristas – são as experiências sociais vividas por cada um de nós, naquele momento. A pergunta que se impõe, a cada um de nós, é onde estávamos pelas 11:33?! Gostava de ter uma perspectiva geral da população, numa espécie de “Big Brother”. Uma semana depois, começam a surgir alguns relatos caricatos. Afinal, entre milhões de portugueses e turistas, alguém passou por tudo aquilo que vocês possam imaginar. Sim, mesmo tudo…
Algumas senhoras, em processo de embelezamento nos respectivos salões, ficaram com cabelo a duas ou três cores e, as que estavam em secagem, são perseguidas por pássaros que querem construir um ninho. Electricistas, durante as tarefas laborais, foram acusados de incompetência por aqueles engenheiros de ocasião, que passam a vida a observar e a fazer perguntas. Alguns idosos (e não só), utilizadores assíduos de casas-de-banho públicas, no uso do mictório, ficaram com nódoas nas calças e gaguez temporária. Muitos instrutores das escolas de condução descobriram, da pior maneira, que os seus alunos nunca quiseram perceber as regras de trânsito.
De certeza conhecem outras situações embaraçosas ligadas a este dia. Muita gente recorreu à (nossa típica) esperteza saloia e, em benefício próprio, marcou pontos. Uma palavra para os que, em nome da extinção da espécie (por causa do fim-do-mundo) e agraciados com alguém do sexo oposto, aproveitaram a oportunidade para fazer tremer a Terra.
Os números da natalidade prometem aumentar em Janeiro. Porém, da mesma forma, no dia seguinte, muitos rumaram às farmácias em busca de pílulas do dia seguinte. O tal que, durante o apagão, se temia que não aparecesse.

Maquinista na Metro do Porto