Num país envelhecido, como o nosso, os avós são quase eternos!
De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a população sénior com mais de 65 anos corresponde a cerca de 25% e há 185 idosos para cada 100 jovens. Somos o quarto país mais envelhecido do mundo e no final de 2023 tínhamos mais de 3000 centenários. Portanto, há mais avós que netos!
Por um lado, estes dados devem deixar-nos orgulhosos, pois denotam um aumento significativo da esperança de vida e da qualidade da mesma. Justificados pelos avanços da medicina e pela melhoria das condições de vida. Porém, os dados são também um desafio!
Longe vão os tempos em que os avós estavam afastados da vida dos netos, presentes apenas nas festas familiares e, com uma esperança de vida muito inferior à atual, que é de 80 anos, independentemente do género.
Ana Elisa do Couto, penafidelense, outrora conhecida como D. Aninhas foi a avó que durante quase duas décadas lutou para que houvesse um dia dos avós! Em 2003 viu realizado o seu sonho, após ter sido promulgado pela Assembleia da República, o dia 26 de julho como Dia Nacional dos Avós! E nisto fomos pioneiros! Os avós portugueses foram os primeiros a terem direito ao seu dia! Dia bem merecido!
O dia 26 julho está associado a uma data importante para o cristianismo, dia consagrado a Santa Ana e S. Joaquim que, de acordo com a tradição cristã, são os pais de Maria e avós de Cristo. Embora os Evangelhos não lhes façam referência, é nos textos apócrifos do Apóstolo Tiago que se encontra a narrativa sobre os avós maternos de Cristo e, a partir daí, também a devoção aos progenitores de Maria. Mas, só após o Concílio Vaticano II, em 1969, é que a celebração de Ana e Joaquim foi reunida no mesmo dia, 26 de julho. Foi esta a data também escolhida pelo Papa Francisco para comemorar o Dia Mundial dos Avós. Este, porém, bem mais recente, pois, só existe desde 2021!
Portanto, estamos na semana dedicada aos avós!
Hoje, os avós portugueses são muito diferentes daqueles tempos antigos… Os avós souberam evoluir e adaptarem-se às mudanças exigidas com a globalização, com as novas tecnologias e todas as inovações do séc. XXI! Como sábios aprenderam a tornarem-se ativos e imprescindíveis.
Talvez porque a maioria destes avós viveu os tempos da miséria, das guerras das antigas colónias, das doenças incuráveis, da emigração em debandada, da ditadura…. Os mesmos que, na juventude, andavam de camioneta e de locomotiva, de bicicleta e de lambreta por estradas nacionais, muito antes de terem surgido as autoestradas e quando os carros eram privilégio de poucos! Os mesmos, que começaram a trabalhar na infância e na adolescência! Pasme-se! Como podemos hoje olhar para as nossas crianças com 10, 12 ou 14 anos e imaginá-los a trabalhar?! Mas os nossos avós centenários fizeram-se trabalhadores e adultos nessas idades… homens e mulheres de garra! Aprendizes dos sete ofícios, herdeiros de latifúndios, trabalhadores de terra de sol a sol, fadas do lar onde reinavam os chefes de família!
Foram os primeiros a receber vacinas e antibióticos, conheceram a passagem das canalizações e dos saneamentos para dentro das casas, assistiram ao nascimento do sistema nacional de saúde, à luta pelos direitos e, foram também os primeiros a fazerem greves.
E embora a vida não lhes tenha sido fácil na infância e na adolescência e possa ser difícil imaginar, foram os mesmos jovens do baile da paróquia e das associações, os que fizeram festas de garagem e nos salões de baile dos bombeiros ao som de Presley, Roy Orbison, Beatles, Abba, Queen…estrearam mini-saias e calças à boca de sino ou ao Domingo vestiram vestidos de Chita e no final da missa ficavam a namorar no adro da Igreja! Viram TV nos cafés e em casa dos vizinhos e festejaram a chegada de Armstrong à lua.
Rapazes com ideais fugiram à tropa e, os que não conseguiram ou não quiseram, partiram para a guerra nas antigas colónias! Casavam por procuração e trocavam cartas, enquanto as mulheres se tornavam independentes e iniciavam carreiras. Em alguns casos, precisavam de autorização dos pais ou dos políticos para constituírem família, no tempo em que só a morte os separaria! E foram esses ideais que os levaram à desobediência civil, às lutas estudantis e, mais tarde, à Revolução dos Cravos.
É destes avós que tenho lembranças! Dos meus, em particular, e de formas diferentes.
Francisco e Ana, do lado materno e Albertina e José, do lado paterno. Do avô Xico chegam-me apenas as vagas recordações, avivadas pelas histórias familiares, que teimam em me contar, sobretudo das traquinices permitidas. Episódios que parecem tão distantes no tempo quanto inverosímeis, como o recorrente episódio das manhãs em que chegávamos juntos a sua casa e, do cimo da escadaria atirava sacos de litros de leite fresco ao mesmo tempo que gritava: avô olha…apanha! E o avô Xico escangalhava-se a rir enquanto gritava para a avó Ana que a menina não tinha culpa, porque não podia com o leite!!! O avô Xico teve a missão de tomar conta de mim, antes da minha ida para o infantário! E, por essa altura deixou fisicamente de estar presente! Lamento a sua morte prematura, porque com ele também desapareceu um certo quotidiano. As voltas de carro pelos talhos ou pelas bombas de gasolina, ou as idas ao olival e a visita aos cavalos, ou mesmo as conversas com os motoristas dos camiões que partiam para todo o país com carnes e queijos! Do seu enorme legado restam só as histórias dos tios e dos primos em grande número a atestarem o seu cuidado comigo, ou não fosse eu a neta do “Xico dos negócios” como era conhecido no seu meio! O avô Xico que me permitiu todas as diabruras possíveis! Diabruras que não fazem parte das memórias da avó Ana, da qual só me lembro doente e muito velhinha, quase sem andar e sempre vestida de negro!
Do lado paterno tive a sorte de ser a primeira neta, a primeira filha, a primeira sobrinha. Tive também muitos mimos sim, mas acima de tudo, tive o privilégio de ter tido a avó Tina por mais tempo que os seus restantes três netos! A avó Tina marcou definitivamente o meu ADN!
Mesmo cansada à noite, lembro-me na minha infância dos seus dedos sobre as minhas mãos na lengalenga do serro bico tico tico… as mesmas mãos que faziam as melhores iguarias e que não se cansavam! A casa da avó Tina era uma masmorra de Amor, era o castelo encantado na Coimbra da infância e da juventude! O seu lugar no antigo mercado D. Pedro V parecia uma quinta interminável!
As favas guisadas, ainda hoje o meu prato favorito, que a avó fazia sempre que eu estava lá em casa, mesmo quando já toda a família reclamava por comermos sempre, ou quase sempre favas!!! E as sopas de feijão verde ou a canja que não podiam faltar na praia, fosse na Figueira ou em Mira! E as fritas e as belhoses que eram feitas entre a consoada e a ceia de Natal! A mesma noite em que durante anos a RTP passava o seu filme predileto “Música no Coração “! A avó, a matriarca, qual coluna vertebral da família, que tinha sempre a última palavra e a quem todos obedeciam, era um torreão de ternura para os netos!
Quando se levantava de manhã bem cedo, e escovava o longo cabelo que sempre conheci branco, para em seguida o apanhar num bonito popinho, como os coques das bailarinas, preparava a cabeça para a rosca onde mais tarde aventariam os cestos cheios de legumes que transportava pelo mercado até aos carros dos melhores fregueses, por norma os donos dos reputados restaurantes de Coimbra!
E o cheiro do café de saco perfumava a casa ainda de madrugada! Ladeira acima via-a por vezes assomar em passo lento, no final do dia, que a perna de ferida varicosa acusava o cansaço que teimava em esconder!
Gostava de ir ter com ela ao mercado, de a apressar a arrumar tudo para voltar para casa, gostava de a ajudar nas vendas quando na minha adolescência o mercado se enchia de turistas e os vinte escudos saltavam do seu avental á noite para me pagar os serviços! Por vezes já tinha feito quase outro tanto com os trocos que os estrangeiros me davam!
E nos tempos de faculdade fazia-me sempre um saco com as melhores alfaces, hortaliças, cenouras, feijões e tudo o que de melhor tinha! Gostava tanto das férias em Coimbra! E dos Natais, aqueles que não consigo reproduzir, a mesa cheia com todos e com o tamanho de um tempo que parecia ter parado para escutar as vozes altas. Tudo era tanto!
Da minha Avó Tina! A minha avó que não sabia ler nem escrever e nunca andou de avião! Mas era uma mulher sábia, daquelas que na sua verticalidade trabalhava para a família! Criou 4 filhos! Ajudou a criar 4 netos! A minha filha tornou-a bisavó e ainda chegou a brincar com ela. Tinha sempre a casa cheia e a mesa farta! Tinha mãos de chef Michelin e alma de Rainha! À moda antiga era a matriarca, era sua a última palavra e quando falava ficava tudo dito! Tinha garra, coragem e teimosia até dizer basta! Faria 104 anos este ano e seria mais uma das centenárias portuguesas, mas não passou dos 90 anos!
Hoje como em muitos dias apetece-me falar dela! Tenho muitas saudades, mas felizmente muito mais memórias e ensinamentos! Lembro-a com muito amor e carinho! Porque foi a avó que o tempo fez perdurar, a mais presente!
E na minha avó Tina revejo a importância dos avós de hoje!
Os avós que continuam a contar histórias, os guardiões dos tempos passados e das tradições. Avós mais evoluídos e instruídos, pilares das novas gerações.
Avós que, tal como o meu avô Xico no seu tempo, passam o dia a andar de carro e parecem motoristas da “uber”. Vão levar e trazer os netos da escola, dos colégios, dos centros de explicações, dos institutos de línguas e do futebol ou do ballet, ou de tantas outras atividades! Todas as que cabem num só dia e tornam o CV das crianças mais extenso que os seus!
Há os avós que, como a avó Tina, podiam ter estrelas Michelin, pois, são mestres nas iguarias mais calóricas e sempre dispostos a satisfazer os caprichos dos netos, os cozinheiros da hora de almoço e dos lanches, os que não poupam no açúcar e têm sempre um gelado ou um bombom mal escondido para ser deglutido nas horas mais inconvenientes! Há também os avós “ baby-sitters”, aqui talvez seja mais o papel das avós. As que cuidam dos bebés quando terminam as licenças de maternidade, porque nessa altura ainda é muito cedo para as crianças irem para as creches, ou aquelas que vão buscar os meninos ao pré-escolar às 17h em ponto, porque já tiveram um dia muito longo e precisam é de mimos enquanto os pais ainda estão a trabalhar.
E como o culto da saúde e bem-estar fazem parte da nossa sociedade, não faltam os avós “desportistas”, surfistas, ciclistas, atletas sempre prontos a fazer exercício e a ajudarem os netos a manter a boa forma física, porque é importante manter corpo e mente sãos!
E, como as novas tecnologias trouxeram os telemóveis e a internet, temos os avós que se encontram á distância de um click, os peritos em redes sociais, que fazem videochamadas e enviam sms por WhatsApp com todas as orientações, recados, precauções e receitas sobre todos os assuntos!
São avós modernos, que se fazem presentes e que têm tempo e dinheiro para despender com os netos, por vezes são os avós que equilibram as contas e as relações e que, mesmo contrariando as vontades e as regras dos filhos, dão o melhor que têm.
Não há grande distinção entre papéis, pois, tanto é a avó a motorista como o avô o chef, nem há um fosso tão grande entre gerações, há muita cumplicidade, interação e entre-ajuda!
É por tudo isto que os avós são instituições e merecem um dia para que os netos aprendam o valor da gratidão!

Colaboradora/Filósofa