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Quarta-feira, Março 26, 2025

Crise silenciosa : a saúde mental dos jovens em risco – Por Clara Boavista

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Clara Boavista
Clara Boavista
Professora e Escritora. Doutorada em Educação

Nos últimos anos, a saúde mental dos jovens tornou-se um tema de grande destaque e preocupação na sociedade, particularmente no contexto escolar e para especialistas na área da saúde. Quando nos referimos à saúde mental dos jovens, estamos fundamentalmente a falar de ansiedade, depressão, transtorno alimentar, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, autolesão e, ainda, suicídio. O aumento preocupante destes casos levanta um sério alerta sobre os desafios que a atual geração enfrenta.

Entre os principais fatores responsáveis pelo agravamento da saúde mental dos jovens estão os desafios constantes de ordem social, académica e emocional. Recorde-se que a pandemia da COVID-19 intensificou o isolamento social, ampliando os índices de sofrimento emocional entre os adolescentes.

A pressão académica, o uso excessivo das redes sociais, a instabilidade económica e a falta de acesso a apoio psicológico adequado são alguns dos inúmeros desafios que as nossas crianças e jovens enfrentam. Os estudos apontam que o uso excessivo das redes sociais pode estar diretamente relacionado com o aumento da ansiedade e da depressão destes indivíduos. As especificações da comparação social, a busca por validação de terceiros e o cyberbullying são alguns dos aspetos que igualmente impactam os níveis de bem-estar emocional dos jovens.

Há que ter em conta que a Escola pode ser considerada tanto um fator protetor quanto um fator de risco relativamente ao desenvolvimento da saúde mental das crianças e dos jovens que a frequentam. A pressão por desempenho, as expectativas familiares e um sistema educacional extremamente competitivo são alguns dos fatores de influência.

Embora um certo grau de pressão, quer dos professores quer dos familiares, possa motivar os alunos, o seu excesso pode levar a consequências francamente prejudiciais. As exigências constantes quanto à vida escolar dos nossos alunos, com o intuito a alcançarem elevados resultados académicos, podem levar a que estes tenham medo de falhar ou à sensação de inadequação face aos estudos. Daqui decorre, muito facilmente, o esgotamento e o “burnout”. Igualmente o perfeccionismo, isto é, a tentativa de alcançar padrões inacessíveis, pode gerar frustração e problemas de autoestima nos nossos jovens estudantes.

Estas situações têm consequências devastadoras quanto aos impactos sociais, advindo daqui o isolamento social, na sequência da priorização dos estudos face às interações de caráter social.

Muitas famílias não têm a noção do impacto negativo das suas expectativas na saúde mental dos seus filhos. Estas exigências desajustadas ou excessivas geram stress e ansiedade nos seus educandos, fazendo-lhes acreditar que a identificação do seu valor pessoal se resume ao desempenho académico, prejudicando a autoconfiança.

Torna-se necessário que os pais ou educadores compreendam como as suas atitudes ou as suas palavras podem afetar o bem-estar psicológico dos seus filhos ou educandos. Urge ter cuidado na relação e gestão destas expectativas e encontrar um equilíbrio entre o incentivo, algo que estimula o aluno a se esforçar sem comprometer a sua autoestima, e a pressão danosa.

Consideram-se boas expectativas as que são ajustadas às capacidades, interesses, idade da criança ou do jovem e que encorajam o desenvolvimento de habilidades, valores e responsabilidades, contribuindo para a motivação e a noção do propósito dos seus objetivos.

O nosso sistema educacional é muito competitivo, caracterizado por comparações constantes e pela valorização de rankings, cujo foco se centraliza essencialmente nos resultados escolares, priorizado as classificações elevadas como o único fator de sucesso.

Por outro lado, existe uma carga letiva excessiva, causando um impacto negativo na saúde mental e física dos alunos. Horários prolongados de aulas, trabalhos de casa volumosos e largos compromissos extracurriculares são igualmente nocivos e podem levar ao esgotamento emocional, dificuldades de aprendizagem e, consequentemente, prejudicar a qualidade de vida dos nossos alunos.

Assim sendo, como mitigar esta cultura da excelência, enraizada nas nossas escolas e que tende a valorizar a “perfeição” e as conquistas permanentes, desencorajando os nossos jovens a assumirem as suas imperfeições como parte do processo da aprendizagem? Como mitigar este olhar negativo que grande parte dos jovens possuem de si próprios? O que fazer e como fazer para evitar comportamentos de risco que, em última instância, podem levar ao consumo de substâncias ilícitas para lidar com a pressão ou até à automutilação?

É urgente sensibilizar os jovens sobre a importância de cuidar da saúde emocional e ensiná-los a lidar com a pressão, bem como oferecer suporte psicológico adequado nas escolas e criar espaços seguros para que os alunos expressem os seus sentimentos.

É fundamental capacitar os professores para reconhecer os sinais de stress nos seus alunos e orientá-los adequadamente para uma ajuda especializada. A prevenção e o tratamento precoce são essenciais para lidar com esta situação preocupante, que tem vindo a crescer velozmente, muito necessitada de ambientes sociais positivos.

É necessário que o nosso sistema educacional saiba equilibrar o incentivo ao desenvolvimento cuidadoso da saúde mental, fundamental para que se formem jovens e futuros adultos emocionalmente saudáveis e preparados para os desafios da vida. Uma abordagem mais humana e inclusiva pode transformar a competição entre estudantes numa saudável motivação pessoal.

Dever-se-á equilibrar a carga horária nas escolas públicas, através de uma reforma curricular, reduzindo a quantidade de disciplinas lecionadas, priorizando a qualidade, não a quantidade, para uma aprendizagem mais efetiva e profunda.

É altura de nos alinharmos, definitivamente, com o pensamento de Edgar Morin, ao defender uma educação que vá além do ensino tradicional e com uma abordagem mais integrada, propondo-nos um modelo educacional que considere a interconexão dos saberes, o pensamento crítico e a ética, de modo a formar indivíduos mais preparados para os desafios do mundo moderno.

É fundamental que a sociedade redefina o conceito de sucesso, acompanhando e valorizando diversas trajetórias e competências dos nossos alunos. Um sistema educacional que promova o equilíbrio e o respeito dos limites humanos não só melhoraria a qualidade da aprendizagem, mas também prepararia indivíduos mais saudáveis e realizados, capazes de enfrentar o futuro com sucesso.

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