Ana Cavalieri, advogada e cientista política, com uma formação extensa em direito internacional e ciência política, que viveu nos Estados Unidos trouxe ao debate sua visão sobre os acontecimentos políticos e suas implicações globais e Germano Almeida, jornalista e autor de obras sobre geopolítica.
Após algumas observações iniciais, Joaquim Jorge deu início ao debate, questionando os comentadores sobre como se preparam para os seus programas na televisão. Ana Cavalieri explicou que, embora soubessem com antecedência os temas principais, a dinâmica da televisão exige que se adaptem às situações imprevistas. “O mais importante é estudar o contexto histórico e entender as implicações políticas e sociais dos temas”, afirmou, destacando que a reflexão sobre as consequências dessas questões é essencial.
O primeiro tema do debate centrou-se nas últimas eleições nos Estados Unidos, em especial, a presidência de Joe Biden. Germano Almeida mencionou como sua idade avançada e saúde debilitada poderiam prejudicar a candidatura à reeleição. Analisou a possibilidade de Kamala assumir um papel mais destacado, mas sugeriu que a sua falta de popularidade poderia enfraquecer a campanha democrata. “E eu penso que, de facto, o debate de julho entre Trump e Biden pôs em evidência aquilo que já era previsível, o comportamento do presidente Biden. E também é preciso referir e não sei se vocês recordam, mas Obama teve alguma reticência a colocar Kamala Harris como candidata. Isto porque eles sabiam que não só Kamala era uma candidata impopular, como, normalmente, dá-se muito mal em processos de primárias.”
Ana Cavalieri concordou com a avaliação do colega de comentário e acrescentou uma análise crítica sobre as estratégias do Partido Democrata, particularmente sobre como estavam a tentar minimizar o declínio cognitivo de Biden. “O Comité Eleitoral Democrata fez todo o possível para esconder a realidade”, afirmou Ana. A falta de transparência nas primárias democratas e o questionamento sobre a equidade do processo eleitoral também foram abordados por ela.
Donald Trump
O debate expandiu-se para o impacto de Donald Trump no cenário político dos Estados Unidos. Germano Almeida apontou que a vitória republicana nas últimas eleições indicou o sucesso de Trump, apesar das controvérsias em torno das alegações de fraude eleitoral. No entanto destacou, “a vitória republicana trouxe à tona uma reflexão importante sobre a posição do Partido Republicano no cenário político.”
Ana Cavalieri, por outro lado, apontou que muitos candidatos republicanos apoiados diretamente por Trump nas eleições intercalares de 2022 não conseguiram vencer; o que indica que a marca Trump poderia ser uma “marca negativa” dentro do Partido Republicano. Ainda assim, observou que o cenário mudou e, em 2024, o Partido Republicano continua ser fortemente influenciado por Trump, com a sua posição dominante nas primárias.
Filipa Cavalieri trouxe ainda à tona o fenômeno do “split ticket” nas eleições americanas, em que eleitores escolhem candidatos de partidos diferentes para cargos distintos. “Isso mostrava a força de Trump em diversas regiões, mesmo quando outras figuras do Partido Republicano estavam perdendo força no voto popular.” – disse.
Joaquim Jorge, o anfitrião, questionou se Trump não estaria a promover uma forma de autoritarismo, mencionando a sua defesa de ideias que lembram a série The Handmaid’s Tale e sua oposição a grupos como as comunidades trans e lésbicas. Também perguntou sobre a possibilidade de Trump alterar a Constituição para permitir sua reeleição, após já ter cumprido dois mandatos.
Germano Almeida alertou que o risco de Trump ser mais perigoso agora é maior do que há oito anos. Observou que as instituições estavam mais enfraquecidas e que a lealdade ao presidente, especialmente entre as pessoas nomeadas para cargos importantes, aumentava a preocupação. “A qualidade técnica das nomeações caiu, e a lealdade política prevaleceu sobre as competências técnicas“, disse, sublinhando o impacto negativo que isso poderia ter nas políticas futuras.
Ana Cavalieri também se referiu ao fortalecimento das posições de Trump no Congresso e no Senado, além do seu controle sobre o Supremo Tribunal, que lhe confere um grande poder. Apontou que o Partido Republicano estava a tornar-se cada vez mais flexível e permissivo em relação às atitudes de Trump, inclusive em questões que anteriormente seriam inaceitáveis para muitos republicanos.
O debate abordou ainda a possibilidade de Trump alterar a Constituição de modo a manter-se no poder. Embora Germano Almeida considere essa possibilidade improvável.
A questão das nomeações de Trump também foi levantada, especialmente no que diz respeito a cargos-chave como o Secretário de Defesa e outras posições no governo. Ana Cavalieri observou que “embora Trump tenha o direito de nomear, o processo de confirmação pelo Senado deveria garantir um controle e responsabilização adequados”. Mencionou, também, “o impacto das escolhas de Trump sobre os militares.”
A possibilidade de Trump atuar como um “presidente da paz”, tentando evitar mais guerras, foi levantada por Germano Almeida,” poderia tentar mediar um fim para o conflito.” – afirmou.
Outras relações estratégicas
Outro ponto crucial foi a relação dos EUA com a Europa e a dependência dos países europeus em relação à segurança americana. Ana Cavalieri argumentou que a Europa deveria investir mais na sua própria defesa, em vez de depender das bases e da presença militar dos Estados Unidos. Alertou para o risco de uma Europa vulnerável, sem autonomia suficiente para garantir sua segurança.
A relação com a China e o Irão também foi mencionada, com a expectativa de que o governo de Trump adote uma postura mais firme, especialmente em relação ao programa nuclear iraniano e à questão de Taiwan. A política de “interesses americanos primeiro” também foi tida em conta, com a promessa de Trump em reduzir impostos para os ricos, deportar imigrantes ilegais e aumentar tarifas, o que poderá resultar em pressões inflacionárias.
Por fim, a análise das nomeações de Trump para cargos militares e o futuro das alianças e da NATO foi debatida. Os participantes concordaram que, com Trump, os EUA poderiam priorizar outros interesses estratégicos, como a contenção da China e do Irão, em detrimento da NATO.
O debate no Clube dos Pensadores ofereceu uma análise profunda e multifacetada da política internacional, com especial enfoque na presidência de Joe Biden, a ascensão de Donald Trump e as dinâmicas internas dos partidos políticos dos EUA. As reflexões sobre a geopolítica, a relação entre os EUA e seus aliados, e os desafios que ambos os partidos enfrentaram nas eleições de 2024 foram enriquecedoras, revelando as complexidades e os riscos que definem o cenário político global atual.
Editor Adjunto