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Quarta-feira, Julho 16, 2025
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Aborto condena mulheres portuguesas – Por Onofre Varela

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Li no jornal de ontem (Público, 17 de Junho de 2025) que “entre 2007 e 2024 houve 159 crimes de aborto registados em Portugal e 33 condenações em 1ª Instância, relacionadas com estes casos”. A notícia é, no mínimo, estranha e assombrosa… já que a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal está legalizada desde 2007 pela lei nº 16, de 17 de Abril, segundo fonte fidedigna da Direcção Geral da Saúde e da Sociedade Portuguesa da Contracepção.

Quem agora veio revelar este assombroso número de “crimes” relacionados com a prática do aborto no país (a qual eu presumia totalmente legal, dentro dos parâmetros da lei) foi a Amnistia Internacional (AI) que regista tão elevado número no seu relatório sobre IVG em Portugal. Entre as recomendações que a AI deixa ao governo Português, consta a retirada da prática abortiva do Código Penal… (eu nem imaginava que constava dele, depois da lei de 2007!).

A mesma notícia dá conta de que quem se governa muito bem com esta “titubeante legalização da IVG em Portugal” são as clínicas espanholas. Em seis anos (de 2019 até 2025), 3352 grávidas portuguesas recorreram a clínicas espanholas para interromperem a gravidez. Não é novidade: em Junho de 1999 (quando ainda era proibido abortar em Portugal) a imprensa noticiou que nos três anos anteriores cerca de nove mil mulheres portuguesas tinham recorrido a clínicas espanholas para abortarem. (Agora sabe-se que cerca de 70% dos médicos especialistas em obstetrícia e ginecologia, a trabalharem no Serviço Nacional de Saúde, são objectores de consciência).

Há, por cá, um movimento de “famílias bem” apoiado pela Igreja (não sei se alguns elementos dessas famílias têm interesses económicos nas clínicas espanholas) que quer um retrocesso na lei que regulamenta a prática do aborto em Portugal, inscrevendo-o na mesma lista onde colocaram a eutanásia que não querem ver legalizada. É uma atitude que para mim é muito estranha… porque aquilo que, de imediato, sobressai dela é a falta de respeito pela vontade do outro, o que mostra haver quem queira impor a sua própria vontade a todos os cidadãos do país!

Atitude tanto mais estranha, quanto as leis que regulam a IVG e a eutanásia só serem aplicadas a quem quer usufruir delas… a mais ninguém!… A lei não obriga as pessoas a abortarem ou a eutanasiarem-se sem o desejarem… ao contrário de quem está contra tais leis, que, só porque não as quer, não permite que eu (que as quero) possa usufruir delas, obrigando-me a cumprir a sua vontades que é, sempre, contra a minha!… Por alminha de quem é que tem de ser assim?!… É como o meu vizinho proibir-me de usar luz eléctrica, só porque ele se ilumina com candeeiro a petróleo!… Não sei se isto é inveja, mau feitio, doença espiritual, maldade intrínseca… ou, tão só, “filha-da-putice” a pedir “dois tabefes” como merecem todos os jovens que nas escolas praticam “bulling” contra os seus colegas.

Para quem viveu, como eu vivi (em 1974 eu tinha 30 anos) a realidade do Portugal ditatorial sob o regime de Salazar e da Igreja Católica medieval (contra quem, e contra o que, eu estava) é que sente o bem que é ter a Liberdade de escolher que todos conquistamos em Abril!…

Liberdade para todos, mas que me permito, por atitude política, não a desejar a quem promove acções ditatoriais, fascistas e nazis, porque contrariam todas as liberdades, incluindo a liberdade que eles próprios têm de existirem como elementos nefastos da sociedade que lhes permite pensar como pensam e remar contra a maré como remam…

Aos meus leitores mais novos, lembro que as leis de Salazar que proibiam o aborto, também proibiam o divórcio, obrigando a que cada homem desse o seu apelido de família aos filhos da sua esposa, mesmo quando os bebés eram, garantidamente, filhos de outro pai!… Os filhos da sua mulher eram, sempre e por lei, filhos seus!

Quanto ao aborto, a tragédia multiplicava-se. Sob o falso e dogmático manto da defesa da vida, a petrificada posição religiosa contribuía para situações que se saldavam em elevado número de mortes, que seriam evitáveis através de políticas realistas, livres de religiosas e nefastas vontades.

Antes de avançar nesta prosa (embora eu apoie a IVG) quero deixar bem claro que não me parece correcta a designação “interrupção da gravidez”… porque a gravidez nunca se interrompe: anula-se. A gravidez que vier a acontecer depois dessa, é uma outra e não aquela que se “interrompeu”, porque na verdade não foi interrompida… foi anulada.

Ó senhores legisladores, façam o favor de tomar boa nota desta minha consideração.

O mesmo me parece acontecer no casamento de pessoas do mesmo sexo, quando são referidas por “casais”… Humm!… Não me parece (embora aceite tal união, não aceito a designação). Um casal é composto por dois seres da mesma espécie, mas de sexos diferentes. Um casal só é casal porque tem um macho e uma fêmea! Se forem dois machos ou duas fêmeas, não se diz casal… diz-se parelha. Fazem um par… de (duas) pessoas independentemente do sexo de cada um!… Ó senhores legisladores…

Avançando: A Igreja e os laicos contrários ao acto de abortar, incutem na mente dos fiéis religiosos e de outra gente, a ideia de que “interromper” uma gravidez é igual a assassinar um bebé recém nascido, rechonchudo, de olhos azuis e cabeleira loira, e rotulam tal acto com a odiosa palavra “crime”. Passam a ideia, falsa, de que abortar é o mesmo que “assassinar” um bebé.

Em 1997, quando na Assembleia da República se discutia a lei da IVG, uma editora lisboeta especializada em publicações religiosas fez circular pequenos folhetos com toscos desenhos e poucas palavras, para que a mensagem pudesse ser “comida” por um público iletrado, onde se difundia a tenebrosa e sádica ideia de que pôr um ponto final numa gravidez iniciada e não desejada era igual a um assassinato brutal de uma criança já nascida, retalhando-a, esventrando-a, dilacerando-lhe a carne e atirando o seu cadáver mutilado para o lixo. Só uma mente doentia, religiosamente distorcida e sádica, seria capaz de conceber tão repugnante imagem.

Também há, ainda hoje, quem difunda a patética ideia de que as mulheres recorrem ao aborto como uma espécie de “modo contraceptivo” (?!)… fazem sexo sem responsabilidade e, por cada “queca” mal dada, cada aborto!… Quem assim pensa está a desrespeitar todas as mulheres do mundo. Nenhuma mulher aborta de ânimo leve. O natural é cada mulher começar a amar o filho que tem no ventre desde o primeiro momento em que descobre estar grávida.

As realidades económicas e sociais é que fazem com que se recorra ao aborto. Na época das discussões parlamentares sobre a IVG escrevi um texto onde dizia: “crie-se a sociedade perfeita, primeiro; proíba-se o aborto, depois!”

Estou a lembrar-me de um caso noticiado naquele tempo. Difundiu-a o Diário de Leiria como notícia local. Uma senhora tinha um filho bebé de poucos meses e engravidou sem querer. Por muito que ela quisesse dar um irmão ao primeiro filho, havia uma realidade económica e social que lhe dizia não ser possível fazê-lo naquele momento. Ela e o marido trabalhavam e auferiam um modesto ordenado. As despesas da casa recém-adquirida levavam quase o vencimento do casal, deixando pouco dinheiro para os restantes gastos familiares. Um outro filho naquela altura era impensável. Decidiu-se pelo aborto clandestino por ser o único modo que tinha de abortar naquele tempo.

Mesmo assim, teve o bom senso de não confiar o seu corpo a uma habilidosa e procurou uma profissional credenciada. Uma enfermeira que lhe foi recomendada por alguém. Teria de pagar 50 contos (uma parte desse valor seria para a pessoa que fez a mediação). Conseguido o dinheiro por empréstimo, a enfermeira provocou-lhe o aborto em sua própria casa. Dois dias depois a senhora não aguentava as dores e chamou a enfermeira que, vendo o caso de difícil solução, chamou uma ambulância e levou-a para o hospital. Foi-lhe diagnosticada uma “infecção generalizada”… e morreu no dia seguinte.

São estes desfechos, impensáveis numa sociedade moderna, que os contrários à IVG querem ver nos telejornais da desgraça dos seus encantos?!…

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