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Sexta-feira, Novembro 7, 2025

02. A pergunta sobre as vacinas

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Antes do início dos tratamentos, fiz aquela pergunta que estava presa na garganta há dias:
— Doutora, devo tomar as vacinas? A do COVID, a da gripe, a da pneumonia?
Ela olhou-me com aquela seriedade que os médicos têm quando sabem que a resposta é importante. Não hesitou:
— Sim. Porque as suas defesas vão ficar em baixo quando fizer a quimioterapia.
Simples. Direto. Mas para mim, nada era simples naquele momento.

O peso da dúvida
Eu tinha ouvido tantas histórias. A prima que jurava que as vacinas tinham químicos perigosos. O vizinho que dizia que o sistema imunitário ficava pior. Os artigos na internet que prometiam revelar “a verdade que os médicos não dizem”. Posts no Facebook com milhares de partilhas sobre reações graves, sobre conspirações, sobre riscos escondidos.
E agora ali estava eu, frágil, assustado, prestes a começar uma batalha contra o cancro, e tinha que decidir. Confiar ou duvidar. Ciência ou medo.
A doutora continuou, como se percebesse o turbilhão na minha cabeça:
— Quando fizer a quimioterapia, o seu corpo vai estar vulnerável. As defesas que agora a protegem vão baixar drasticamente. Uma gripe simples pode tornar-se fatal. Uma pneumonia pode interrompê-la a meio do tratamento, ou pior.
Engoli em seco.
— As vacinas — explicou ela, com aquela paciência infinita — vão ensinar o seu corpo a reconhecer esses vírus agora, enquanto ainda está forte. Quando as suas defesas baixarem, essa memória vai estar lá. Pode não ser uma garantia absoluta, mas é a melhor proteção que temos.

A controvérsia que não me largava
Mas a controvérsia das vacinas não era uma coisa abstrata para mim naquele momento. Era real, presente, assustadora. Tinha visto as notícias sobre a pandemia, sobre as vacinas desenvolvidas a correr, sobre as pessoas que diziam ter tido reações. Tinha lido testemunhos dramáticos, visto vídeos emotivos, ouvido especialistas autoproclamados a dizerem coisas que contradiziam completamente o que a minha médica me dizia.
Como é que uma pessoa comum, sem formação médica, assustada e vulnerável, decide em quem acreditar?
— Doutora — perguntei, a voz trémula —, mas há tantas histórias de pessoas que tiveram problemas com as vacinas…
Ela suspirou. Não era um suspiro de impaciência, mas de alguém que tinha tido aquela conversa muitas vezes.
— Há efeitos secundários, sim. Dor no braço, febre, cansaço. Raramente, algo mais grave. Como com qualquer medicamento. — Fez uma pausa. — Mas sabe quantos pacientes oncológicos eu vi a morrer de gripe durante a quimioterapia? Quantos tiveram que interromper o tratamento por causa de pneumonias que os deixaram meses no hospital?
Não respondi. Não sabia.
— Muitos. Demasiados. E a maior parte desses casos podiam ter sido evitados.

O luxo de duvidar
Ela disse-me algo que nunca mais esqueci:
— A controvérsia das vacinas é um luxo de sociedades onde as doenças se tornaram raras. Quando a varíola matava milhões, ninguém questionava a vacina. Quando a poliomielite deixava crianças paralisadas, os pais faziam fila para vacinar os filhos. Mas agora que essas doenças quase desapareceram — graças às vacinas —, as pessoas esqueceram-se do horror. E quando não vemos o perigo, começamos a questionar a proteção.
Mas agora, sentado ali no consultório, prestes a começar a quimioterapia, prestes a ter o meu sistema imunitário destruído propositadamente para matar as células cancerígenas, o perigo já não era abstrato. Era real. Era eu.

A matemática cruel
A doutora mostrou-me números. Não para me assustar, mas para me dar perspetiva.
— As reações graves às vacinas são raríssimas. Uma em milhões. Já as mortes por gripe, por pneumonia, em pacientes imunodeprimidos? Milhares por ano. A matemática é cruel, mas é clara.
Pensei na minha família. Nos meus filhos. No que aconteceria se eu apanhasse COVID a meio da quimioterapia. Se uma pneumonia me mandasse para os cuidados intensivos. Se uma gripe simples interrompesse o tratamento que me podia salvar a vida.
E de repente, a decisão já não parecia assim tão complicada.

A escolha
— Vou tomar as vacinas — disse finalmente. — Todas.
Quando a agulha entrou no meu braço naquele dia, senti mais do que o pequeno beliscão. Senti que tinha feito uma escolha. Que tinha decidido confiar quando tudo parecia incerto. Que tinha escolhido a ciência imperfeita em vez do medo paralisante.

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