No Porto, estamos habituados a ouvir qualquer disparate vindo de cima — mas o que o ministro da Educação largou sobre as residências universitárias já bateu recordes. Então o homem vem dizer, com ar de sabichão, que os quartos universitários se degradam quando são usados sobretudo por estudantes com menos posses?
Isto não é política mal explicada. Isto é um pensamento torto.
E não me venham com a treta da interpretação: porque aqui no Norte o português percebe-se bem. O ministro pode embrulhar a frase com uma fita dourada da época, pode acrescentar notas de rodapé, pode até jurar que é tudo mentira — mas a ideia passou:
o problema não é a falta de investimento público — o problema é de quem precisa dele.
Não somos parvos, ouvimos bem e percebemos ainda melhor: o subtexto foi mais claro do que o nevoeiro da Ponte das Barcas — o problema caro cidadão não é a pobreza, é o Estado.
É essa a leitura. É essa a ironia. É essa a vergonha.
Porque ideias como esta encaixam na velha tese portuguesa: “se o serviço público está mal, a culpa é daqueles que o usam”.
Brilhante lógica, senhor ministro! Quase que dá vontade de aplaudir de pé.
Se o hospital cai aos pedaços, a culpa é dos doentes.
Se a escola está velha, a culpa é dos miúdos.
Se os comboios não chegam a horas, a culpa é dos passageiros.
E agora: se a residência fica degradada, a culpa é dos estudantes pobres.
Isto sim, é pensamento estratégico. É moderno, e até europeu!
É uma teoria perfeita para quem não quer assumir responsabilidade nenhuma: se o Estado falha, vamos lá culpar o povo.
É o retrato de um país governado por gente que nunca cheirou a precariedade, nunca dividiu um quarto, nunca viveu com o medo de perder a bolsa, nunca pagou uma renda que não para de subir e um mísero salário parado.
E depois é caricato ver estes “iluminados” a tentarem explicar ao país que “a degradação acontece quando o serviço é utilizado apenas pelos mais carenciados”. Esta frase até encaixava muito bem num livro de ficção distópica, mas não para um governo que devia defender a escola pública e a igualdade de oportunidades.
Aqui na Invicta chamamos as coisas pelo nome:
isto é preconceito social embrulhado num discurso político.
E pior ainda é ver a tentativa de usar branquedor depois da bronca.
Do nada, aparece a conferência, o comunicado, aquela ginástica verbal do costume:
“não foi isso que eu quis dizer”,
“o contexto foi mal entendido”,
“o objetivo era outro”.
Pois claro. Foi só mais uma pedrada atirada e logo retirada à pressa quando se aperceberam do estrondo.
Mas há um detalhe delicioso nisto tudo — e que merece ser saboreado devagarinho:
estas residências degradadas, estes estudantes aflitos, estes serviços públicos a cair aos bocados… não apareceram como uma geração espontânea.
Foram construídos por anos de desinvestimento, incompetência organizada e ministros que tratam os utentes como o problema em vez de ser a prioridade.
E agora, o golpe final, a parte que dói a sério:
No fim do dia, esta equipa que anda a dar lições de moral aos estudantes, esta minoria política agarrada ao poder com as unhas de porcelana, está lá porque quem depende do serviço público votou neles.
Foram enganados, iludidos, embalados em promessas, e agora recebem sermões em vez de soluções.
Ironia?
É Portugal a funcionar no seu modo habitual:
os “génios” mandam, os otários pagam, e o ministro ainda acusa o povo de estragar aquilo que ele próprio, o governo, deixou apodrecer.
Toma nota! E pensa.
Engenheiro/Colaborador






