A experiência de John Calhoun, conhecida como Universo 25, realizada nos anos 60 e 70, não é apenas um episódio curioso da história da ciência, mas também um espelho que inquieta e convida-nos a refletir sobre a sociedade em que vivemos.
Na experiência realizada, os ratos tinham tudo o que precisavam para sobreviver: comida em abundância, água fresca, abrigo confortável e ausência total de predadores ou ameaças externas. No início, prosperaram, multiplicaram-se e ocuparam o espaço que foi criado para eles. Mas, gradualmente, algo inesperado aconteceu: a abundância e a ausência de desafios começaram a corroer o tecido social. Surgiram hierarquias rígidas, isolamento, violência sem causa, abandono das funções essenciais e comportamentos autodestrutivos. No fim, mesmo com todos os recursos disponíveis, a comunidade entrou em colapso e extinguiu-se.
Se transportarmos esta metáfora para a sociedade atual, percebemos ecos perturbadores. Vivemos num mundo onde a tecnologia, o consumo e o conforto atingiram níveis nunca antes vistos. Temos acesso instantâneo a comida, entretenimento, informação e meios de sobrevivência que, em grande parte da nossa história, eram inimagináveis. No entanto, ao invés de estarmos mais unidos, assistimos ao crescimento da solidão, do isolamento social, da depressão e da ansiedade.
O que Calhoun mostrou é que o ser vivo não se sustenta apenas dos recursos materiais: precisa de propósito, de desafios e de relações sociais saudáveis para florescer. Da mesma forma, o ser humano moderno, quando imerso apenas no conforto e no consumo, corre o risco de perder o sentido da vida, afastando-se dos valores como cooperação, responsabilidade, empatia e resiliência.
Hoje, vemos fenómenos que nos fazem lembrar o “Universo 25”:
O aumento da alienação social, apesar da hiperconexão digital.
A perda de referências coletivas e do sentido de comunidade.
O crescimento da violência, da intolerância e do individualismo.
A sensação de um vazio existencial num mundo onde “temos tudo”, mas ainda assim sentimos que nos falta algo.
Assim, a lição que podemos retirar fica clara: conforto sem um propósito vai levar-nos à decadência. O ser humano não pode viver apenas da abundância material, precisa também de ter limites, de lutas com significado, de objetivos comuns e de vínculos reais. Caso contrário, corremos o risco de, tal como os ratos de Calhoun, mergulharmos num colapso silencioso — não de recursos, mas de sentido.
Para refletir!
Referências para aprofundar o tema:
Calhoun, J. B. (1962). Population density and social pathology. Scientific American, 206(2), 139-148.
Calhoun, J. B. (1973). Death squared: The explosive growth and demise of a mouse population. Proceedings of the Royal Society of Medicine, 66(1), 80–88.
Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Zahar.
Harari, Y. N. (2015). Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. Harper.
Turkle, S. (2011). Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. Basic Books.
Artigos :
The Guardian: “Lessons from the ‘Universe 25’ experiment”
BBC Future: “What can we learn from the mice utopia experiment?”
Engenheiro/Colaborador






