Sempre que conheço alguém procuro qual o verbo que habita. Gosto dessa ideia de que toda a gente tem um a que pode chamar casa: se para os generosos será dar, para os gananciosos será receber, para os iludidos, ignorar, para os criativos, viajar, para os empreendedores, ganhar, para os céticos, ver, para os sonhadores, acreditar. Se para os acéfalos será obedecer, para os inquietos será pensar, para os livres, correr-descalço-na-areia e, para os românticos, será ad aeternum amar.
Não digo que não possamos viver em mais do que um verbo (ou mais do que um tempo), mas existem aqueles que vêm atados ao cordão umbilical e, mesmo depois do corte, permanecem no nosso umbigo; pertencem-nos à nascença.
Todavia, mesmo que siameses, só descobri os meus depois – depois de ler, de absorver, de pensar, de escrever, de crescer – porque é impossível conhecermo-nos em tempo real.
Temos de rodar os ponteiros do relógio em sentido contrário para que consigamos ler-nos. Implica já termos sido, para sabermos quem somos. E o que atrapalha toda a perceção que temos sobre nós próprios são os outros, tantas vezes obstáculos.
A verdade é que desde cedo senti dificuldade em pertencer – aos sítios, aos grupos, às pessoas…aos verbos – por isso se me dissessem que teria de ir para uma cidade que não é minha, onde não nasci e cuja língua não falava, para descobrir o meu verbo-casa, eu já teria apanhado o avião há mais tempo.
Com isto não digo que pertenço mais a uma terra sem mar do que àquela onde posso tocar no Atlântico, que me vejo mais refletida no Sena do que no Douro, ou que um Croque Monsieur me leve mais ao ninho do que uma Francesinha. Guardo morada entre a Ribeira e a Foz, mas o Sena dá-me a paz que o Douro nunca deu e esta cidade que é luz aqueceu-me a confiança: foi perceber que tão importante como conseguirmos ouvir-nos, é conseguirmos fazer-nos ouvir. E foi no meio do barulho da gente de Paris que fui capaz de me fazer ouvir melhor.
Comecei por dizer que o que atrapalhava a perceção que temos sobre nós próprios são os outros, mas a verdade é que se, por um lado, foi sempre alguém a fazer-me chorar, também é verdade que, por outro, foi sempre alguém a secar-me as lágrimas. Por isso, a ler, absorver, pensar, escrever e crescer, acrescento partilhar – porque é impossível conhecermo-nos sozinhos.
Volto ao Porto com mais gente e com mais luz. Afinal, só somos, porque os outros são e o meu verbo será sempre amar.
Estudante