10.8 C
Porto
12.8 C
Lisboa
12.9 C
Faro
Terça-feira, Novembro 18, 2025

05. Os primeiros sintomas

Mais artigos

Como tinha dito no capítulo anterior, depois de 3 horas e meia de tratamentos…

Foto: VÍTOR LIMA

Quando terminou, a enfermeira explicou com um sorriso profissional: “Vai levar uma bomba de perfusão portátil, que pode usar no ombro ou à cintura. Vai continuar a receber tratamento durante dois dias. É normal, não se preocupe.” Voltei para casa com aquela botija pendurada, escolhi usar à cintura.

Os primeiros dias foram de estranha normalidade. A botija ali, sempre presente, um companheiro indesejado que me seguia pela casa. Para o sofá, para a cama, para a casa de banho. O pequeno motor fazia um ruído discreto, quase impercetível. Depois de 2 dias com a botija, voltei ao IPO para a retirada.

Foi a partir daí, quando retirei a botija, que comecei a sentir o primeiro incómodo vago no estômago. Depois, aquela sensação que sobe pela garganta, as náuseas chegaram devagar. Não foi dramático, foi gradual, como se o meu corpo finalmente tivesse percebido o que estava a acontecer.

Mas a vida não parou. Não podia parar. Continuei a fazer as coisas, apenas mais devagar. Muito mais devagar.

Preparar o pequeno-almoço tornou-se uma expedição. Cada movimento calculado, cada gesto mais lento. Abrir o frigorífico, pegar no pão, esperar que a torradeira acabasse — tudo exigia uma energia que eu não sabia que era preciso para coisas tão simples. E o cheiro. O cheiro torna-se diferente; o que antes adorava, agora revoltava-me o estômago.

O cansaço é diferente do que eu imaginava. Não é só estar cansado depois de fazer algo; é estar cansado antes de começar. É acordar já sem forças, é sentar-me no sofá e adormecer a meio da tarde sem querer, a televisão ainda ligada. É olhar para as escadas e fazer contas à minha vida se vale a pena subir agora ou espero mais um bocado?

E depois, a pele. Comecei a ficar com a cara avermelhada, aquela vermelhidão que não desaparecia. Pequenas borbulhas surgiram, como se o meu rosto estivesse a gritar aquilo que eu ainda não tinha aceitado completamente. O espelho tornou-se uma coisa difícil de olhar. Não era só o cansaço invisível — agora havia ali, na cara, uma prova visível de que algo estava a mudar no meu corpo.

A quimioterapia não me tirou a vida. Tirou-me é velocidade. Obrigou-me a ir devagar, a reparar em cada coisa que antes fazia automaticamente. E talvez, no meio disto tudo, haja nisso uma lição qualquer. Ou talvez não. Talvez seja apenas a vida a dizer-me que tudo se adapta sempre.

- Publicidade -spot_img
- Publicidade -spot_img

Artigos mais recentes

- Publicidade -spot_img