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Segunda-feira, Maio 12, 2025

O Porto está a ser vendido ao desbarato: quem governa a cidade ? – Por Amadeu Ricardo

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O Porto não está a prosperar — está a ser vendido. E não se trata de uma metáfora exagerada. Os números falam por si: em 2023, a cidade registou mais de 3,5 milhões de turistas e quase 7 milhões de dormidas. Para uma cidade com pouco mais de 230 mil habitantes, estes dados podem parecer impressionantes. Mas há uma pergunta urgente a fazer: a que custo?

O que está a acontecer no Porto é uma versão local de um processo global que transforma cidades em produtos turísticos e ativos financeiros. Barcelona, Veneza, Lisboa — os exemplos acumulam-se, e o desfecho é sempre o mesmo: espaços descaracterizados, alugueres incomportáveis, expulsão dos residentes, serviços públicos sobrecarregados e centros urbanos transformados em parques temáticos para turistas.

A Baixa do Porto, outrora um espaço de vizinhança, comércio tradicional e de vida comunitária, tornou-se numa montra estéril de alojamentos locais. Há mais de 8 mil registos ativos no centro, muitos deles nas mãos de empresas que detêm dezenas de imóveis, alimentando a especulação imobiliária e a gentrificação. Entre 2015 e 2023, o preço médio das rendas disparou 115%. Jovens, estudantes e famílias são literalmente empurrados para a periferia — Gaia, Gondomar, Valongo — enquanto o centro é exaurido de vida.

Mas não é só a habitação que sofre. Os transportes públicos estão saturados. Os centros de saúde não têm capacidade para responder à procura. As ruas, sobrecarregadas, refletem uma cidade em exaustão. O comércio local definha, substituído por lojas de souvenirs e cadeias globais sem identidade.

Em troca, ganhamos “tuk-tuks”, “brunches” e filas intermináveis por uma fotografia. Ganha-se dinheiro, sim — mas para quem?

Estas transformações não são acidentes. São o resultado direto de políticas — ou da sua ausência — que favorecem, o capital turístico e imobiliário.
Quem beneficia com a falta de regulamentação, a proliferação de licenças, a alienação do património público a privados? A resposta é tão evidente quanto incómoda: não são os moradores. Não é a cidade. São os investidores, os fundos, os gigantes do turismo e, muito possivelmente, alguns dos próprios decisores políticos que juraram defendê-la. Estão a defender o interesse público ou a pavimentar o caminho para o lucro privado?

A gestão política da cidade tem sido, no mínimo, complacente. A ausência de regulamentação efetiva do alojamento local, a entrega de património público a privados, a dependência quase exclusiva do turismo como motor económico — tudo isto denuncia uma visão míope e perigosamente submissa aos grandes interesses. Uma visão que não hesita em sacrificar o direito à cidade em nome de um crescimento ilusório e insustentável.

Barcelona, depois de anos de políticas permissivas, foi forçada a recuar: suspendeu licenças, limitou o turismo nas zonas críticas, impôs regras severas às plataformas digitais. Mas o prejuízo social e urbano já está lá, em muitos casos, irreversível. Veneza, literalmente afundada pelo turismo de massas, é hoje uma cidade-fantasma fora da época alta. Lisboa, com um centro histórico cada vez mais inacessível a quem lá nasceu, caminha para o mesmo abismo.

Queremos repetir os mesmos erros no Porto?

É urgente reverter esta trajetória: travar o alojamento local desregulado, impor quotas e limites claros, investir numa habitação acessível, proteger o comércio de proximidade, reabilitar os serviços públicos. Mas, acima de tudo, é preciso um debate — um debate sério — sobre o modelo de cidade que queremos. E, além disso, sobre quem está a decidir por nós. Porque, se os autarcas se mostram mais preocupados em agradar aos promotores do que em defender os cidadãos, então é legítimo perguntar: quem governa realmente o Porto?

A cidade do Porto está próxima do colapso social e urbano. E, quando o último morador for forçado a sair, quando o último mercado for substituído por uma loja de lembranças, quando o último bairro for transformado num cenário para turistas, então talvez se perceba que já não há nenhuma cidade para mostrar. Mas, aí, será tarde demais.

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