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Quarta-feira, Março 26, 2025

História da Ciência em Portugal com Carlos Fiolhais Parte V – a ciência em Portugal na Era Moderna

A quinta e última sessão do curso "História da Ciência em Portugal" decorreu na passada terça-feira, como de costume, no auditório do Âmbito Cultural, do El Corte Inglés, em Vila Nova de Gaia, encerrando um ciclo de cinco encontros conduzidos pelo professor e físico Carlos Fiolhais. O evento abordou a evolução da ciência em Portugal na transição do século XIX para o século XX e durante este último, explorando o impacto da meteorologia, sismologia e astrofísica no conhecimento global.

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Rui Paulo Costa
Rui Paulo Costa
Editor Adjunto

A sessão final do curso “História da Ciência em Portugal”, liderado pelo professor Carlos Fiolhais,  centrou-se na afirmação de três áreas científicas no país durante a transição do século XIX para o século XX: meteorologia, sismologia e astrofísica. O lente, reconhecido pelo seu profundo conhecimento e entusiasmo pela divulgação científica, iniciou a sessão referindo que “houve três ciências que se afirmaram e que têm a ver com a física”.

Carlos Fiolhais. História da Ciência em Portugal. Sessão nº5. El Corte Inglés
Dado ao elevado número de alunos, Carlos Fiolhais, teve de assinar mais de centena e meia de diplomas de participação. Foto de FILIPE ARRAIS.

A Meteorologia e os seus Primórdios em Portugal

Ao longo do século XIX, a meteorologia começou a consolidar-se enquanto disciplina científica autónoma em Portugal. Carlos Fiolhais realçou o papel da Escola Politécnica de Lisboa na institucionalização do estudo meteorológico: “Já falei da Escola Politécnica de Lisboa e volto a falar porque ela está associada ao nascimento da Meteorologia em Portugal”. O docente explicou que foi aí que se iniciou a recolha sistemática de dados meteorológicos, uma prática fundamental para o desenvolvimento da previsão do tempo e para a navegação marítima.

Um dos momentos marcantes na evolução desta ciência no país foi a criação do Observatório Meteorológico de Lisboa, que começou a operar em 1854, permitindo a publicação das primeiras previsões meteorológicas diárias em Portugal a partir de 1875. Segundo o físico, “o primeiro boletim meteorológico diário em todo o mundo foi emitido pelo Instituto de História de Paris e já incluía Lisboa”. Esta prática tornou-se essencial, uma vez que a meteorologia, por natureza, exige um trabalho cooperativo à escala global.

Observatório Metereológico
Observatório Meteorológico. Direitos Reservados.

O cientista sublinhou ainda o papel da Marinha na consolidação dos serviços meteorológicos portugueses no início do século XX: “Os serviços meteorológicos da Marinha foram criados em 1922 e, até 1946, quando surgiu o Serviço Meteorológico Nacional, a meteorologia era, essencialmente, feita pela Marinha”. Durante este período, os dados recolhidos pelos navios portugueses foram fundamentais para a compreensão das condições atmosféricas no Atlântico.

Sismologia e a Necessidade de Monitorização Sísmica

Outro tema central abordado foi a sismologia, uma área de estudo que ganhou relevância em Portugal devido à sua localização numa zona de elevada atividade sísmica. Carlos Fiolhais destacou que o primeiro sismógrafo instalado no país surgiu em 1891, na cidade de Coimbra, no Instituto Geofísico. “A sismologia tornou-se indispensável para a segurança nacional, especialmente depois dos grandes sismos que Portugal registou ao longo do século XX”, afirmou.

O professor recordou o sismo de 1909, o terceiro maior registado no século XX em Portugal, e o de 1969, que abalou Lisboa e foi sentido em Coimbra, reforçando a importância da monitorização contínua da atividade sísmica. “O sismo de 1909 foi um dos primeiros a ser bem documentado em Portugal, com registos detalhados feitos pelo único sismógrafo disponível na época”, explicou.

Além disso, a importância dos Açores na investigação sismológica e meteorológica foi amplamente debatida. “Nos Açores, a meteorologia e a sismologia caminharam lado a lado. A nossa posição geográfica faz com que sejamos um país estratégico para o estudo do clima e da atividade sísmica no Atlântico”, disse Carlos Fiolhais.

O Papel da Astrofísica no Conhecimento do Universo

A sessão continuou com uma reflexão sobre a astrofísica e o seu desenvolvimento em Portugal. O douto professor explicou que esta ciência evoluiu a partir da astronomia tradicional, passando do estudo da posição dos astros para a compreensão da sua composição e dinâmica. “A astronomia transformou-se em astrofísica no século XIX. Em vez de apenas registar a posição das estrelas, os cientistas começaram a perguntar-se do que eram feitas”, afirmou.

Carlos Fiolhais mencionou a importância do Observatório Astronómico de Lisboa, construído à semelhança de outros observatórios europeus da época, e destacou as contribuições portuguesas para a observação solar e espectroscopia. “Portugal tem uma vantagem óbvia: temos mais dias de sol. Isso permitiu-nos fazer observações contínuas e contribuir para estudos internacionais sobre a atividade solar”, explicou.

Observatório Astronómico de Lisboa
Observatório Astronómico de Lisboa. Foto de ANTÓNIO MARQUES. Direitos Reservados.

Um dos casos mais curiosos apresentados foi o do cientista português António de Gião, nascido em Reguengos de Monsaraz, que, depois de longa estada no estrangeiro, foi professor na Universidade de Lisboa e investigador da Fundação Calouste Gulbenkian e que trocou correspondência com Albert Einstein. “António de Gião escreveu a Einstein quando este já estava em Princeton, e o físico alemão respondeu-lhe algumas vezes. Hoje, essas cartas encontram-se na Universidade Hebraica de Jerusalém”, relatou o cientista, comparando o entusiasmo do português ao de um adolescente que recebe uma carta de uma celebridade.

Cartoom de João Abel Manta. Einstein aperta mão do homem do povo.
Muito prazer em conhecer Vocelências, cartoon de João Abel Manta para o M.F.A., 5º Divisão, Campanha de dinamização cultural, Lisboa, 1975, Portugal. Direitos Reservados

Carlos Fiolhais fez ainda referência a uma curiosidade pouco conhecida: a admiração de Einstein pelas varinas portuguesas. “Einstein, na sua passagem ocasional por Portugal, comentou sobre a beleza das varinas de Lisboa. É uma nota curiosa que nos lembra que os grandes cientistas se deixam impressionar pela cultura e pelos costumes locais”, partilhou o professor com um sorriso.

A Medicina e os Pioneiros Portugueses

No decorrer da sessão, o professor abordou também a evolução da medicina em Portugal, destacando duas figuras centrais: Abel Salazar e Egas Moniz. “Abel Salazar foi um grande cientista e médico, cuja investigação deixou um impacto significativo na histologia e na anatomia embriológica. A sua dedicação à ciência e ao ensino foi notável”, afirmou.

Egas Moniz e Abel Salazar.
Egas Moniz (1874-1955) e Abel Salazar (1889-1946). Direitos Reservados.

Também destacou o contributo de Egas Moniz, laureado com o Prémio Nobel da Medicina em 1949 pela sua invenção da leucotomia pré-frontal, um procedimento pioneiro no tratamento de doenças psiquiátricas. “Apesar de hoje este procedimento ser controverso, não podemos ignorar que, na época, foi uma inovação médica de grande importância”, acrescentou.

O curso terminou com uma alusão sobre o papel da ciência portuguesa no contexto internacional e os desafios que ainda persistem. “Portugal não foi um mero espectador na história da ciência. Tivemos figuras que contribuíram ativamente para o conhecimento global, e continuamos a ter um papel relevante, apesar das dificuldades”, concluiu Carlos Fiolhais.

Carlos Fiolhais. História da Ciência em Portugal. Sessão nº5. El Corte Inglés
Despedimo-nos deste curso devidamente “diplomados” deixando uma palavra de apreço ao professor, a Alberto M. Pereira e a Teresa Marinho do Âmbito Cultural do El Corte Inglés, amáveis e incansáveis para que tudo corresse bem! Foto e composição de FILIPE ARRAIS

O ciclo de cinco sessões revelou-se um espaço de partilha e debate enriquecedor sobre a evolução científica nacional, com reflexões fundamentais para compreender o passado e projetar o futuro da investigação em Portugal. O público saiu do evento com uma visão mais ampla do legado científico português, reconhecendo a importância da ciência na construção do país que somos hoje.

OC/RPC

Nota de edição: Este artigo foi enriquecido, integrando algumas sugestões gentilmente cedidas pelo Professor Carlos Fiolhais.
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