A sessão final do curso “História da Ciência em Portugal”, liderado pelo professor Carlos Fiolhais, centrou-se na afirmação de três áreas científicas no país durante a transição do século XIX para o século XX: meteorologia, sismologia e astrofísica. O lente, reconhecido pelo seu profundo conhecimento e entusiasmo pela divulgação científica, iniciou a sessão referindo que “houve três ciências que se afirmaram e que têm a ver com a física”.
A Meteorologia e os seus Primórdios em Portugal
Ao longo do século XIX, a meteorologia começou a consolidar-se enquanto disciplina científica autónoma em Portugal. Carlos Fiolhais realçou o papel da Escola Politécnica de Lisboa na institucionalização do estudo meteorológico: “Já falei da Escola Politécnica de Lisboa e volto a falar porque ela está associada ao nascimento da Meteorologia em Portugal”. O docente explicou que foi aí que se iniciou a recolha sistemática de dados meteorológicos, uma prática fundamental para o desenvolvimento da previsão do tempo e para a navegação marítima.
Um dos momentos marcantes na evolução desta ciência no país foi a criação do Observatório Meteorológico de Lisboa, que começou a operar em 1854, permitindo a publicação das primeiras previsões meteorológicas diárias em Portugal a partir de 1875. Segundo o físico, “o primeiro boletim meteorológico diário em todo o mundo foi emitido pelo Instituto de História de Paris e já incluía Lisboa”. Esta prática tornou-se essencial, uma vez que a meteorologia, por natureza, exige um trabalho cooperativo à escala global.
O cientista sublinhou ainda o papel da Marinha na consolidação dos serviços meteorológicos portugueses no início do século XX: “Os serviços meteorológicos da Marinha foram criados em 1922 e, até 1946, quando surgiu o Serviço Meteorológico Nacional, a meteorologia era, essencialmente, feita pela Marinha”. Durante este período, os dados recolhidos pelos navios portugueses foram fundamentais para a compreensão das condições atmosféricas no Atlântico.
Sismologia e a Necessidade de Monitorização Sísmica
Outro tema central abordado foi a sismologia, uma área de estudo que ganhou relevância em Portugal devido à sua localização numa zona de elevada atividade sísmica. Carlos Fiolhais destacou que o primeiro sismógrafo instalado no país surgiu em 1891, na cidade de Coimbra, no Instituto Geofísico. “A sismologia tornou-se indispensável para a segurança nacional, especialmente depois dos grandes sismos que Portugal registou ao longo do século XX”, afirmou.
O professor recordou o sismo de 1909, o terceiro maior registado no século XX em Portugal, e o de 1969, que abalou Lisboa e foi sentido em Coimbra, reforçando a importância da monitorização contínua da atividade sísmica. “O sismo de 1909 foi um dos primeiros a ser bem documentado em Portugal, com registos detalhados feitos pelo único sismógrafo disponível na época”, explicou.
Além disso, a importância dos Açores na investigação sismológica e meteorológica foi amplamente debatida. “Nos Açores, a meteorologia e a sismologia caminharam lado a lado. A nossa posição geográfica faz com que sejamos um país estratégico para o estudo do clima e da atividade sísmica no Atlântico”, disse Carlos Fiolhais.
O Papel da Astrofísica no Conhecimento do Universo
A sessão continuou com uma reflexão sobre a astrofísica e o seu desenvolvimento em Portugal. O douto professor explicou que esta ciência evoluiu a partir da astronomia tradicional, passando do estudo da posição dos astros para a compreensão da sua composição e dinâmica. “A astronomia transformou-se em astrofísica no século XIX. Em vez de apenas registar a posição das estrelas, os cientistas começaram a perguntar-se do que eram feitas”, afirmou.
Carlos Fiolhais mencionou a importância do Observatório Astronómico de Lisboa, construído à semelhança de outros observatórios europeus da época, e destacou as contribuições portuguesas para a observação solar e espectroscopia. “Portugal tem uma vantagem óbvia: temos mais dias de sol. Isso permitiu-nos fazer observações contínuas e contribuir para estudos internacionais sobre a atividade solar”, explicou.
Um dos casos mais curiosos apresentados foi o do cientista português António de Gião, nascido em Reguengos de Monsaraz, que, depois de longa estada no estrangeiro, foi professor na Universidade de Lisboa e investigador da Fundação Calouste Gulbenkian e que trocou correspondência com Albert Einstein. “António de Gião escreveu a Einstein quando este já estava em Princeton, e o físico alemão respondeu-lhe algumas vezes. Hoje, essas cartas encontram-se na Universidade Hebraica de Jerusalém”, relatou o cientista, comparando o entusiasmo do português ao de um adolescente que recebe uma carta de uma celebridade.
Carlos Fiolhais fez ainda referência a uma curiosidade pouco conhecida: a admiração de Einstein pelas varinas portuguesas. “Einstein, na sua passagem ocasional por Portugal, comentou sobre a beleza das varinas de Lisboa. É uma nota curiosa que nos lembra que os grandes cientistas se deixam impressionar pela cultura e pelos costumes locais”, partilhou o professor com um sorriso.
A Medicina e os Pioneiros Portugueses
No decorrer da sessão, o professor abordou também a evolução da medicina em Portugal, destacando duas figuras centrais: Abel Salazar e Egas Moniz. “Abel Salazar foi um grande cientista e médico, cuja investigação deixou um impacto significativo na histologia e na anatomia embriológica. A sua dedicação à ciência e ao ensino foi notável”, afirmou.
Também destacou o contributo de Egas Moniz, laureado com o Prémio Nobel da Medicina em 1949 pela sua invenção da leucotomia pré-frontal, um procedimento pioneiro no tratamento de doenças psiquiátricas. “Apesar de hoje este procedimento ser controverso, não podemos ignorar que, na época, foi uma inovação médica de grande importância”, acrescentou.
O curso terminou com uma alusão sobre o papel da ciência portuguesa no contexto internacional e os desafios que ainda persistem. “Portugal não foi um mero espectador na história da ciência. Tivemos figuras que contribuíram ativamente para o conhecimento global, e continuamos a ter um papel relevante, apesar das dificuldades”, concluiu Carlos Fiolhais.
O ciclo de cinco sessões revelou-se um espaço de partilha e debate enriquecedor sobre a evolução científica nacional, com reflexões fundamentais para compreender o passado e projetar o futuro da investigação em Portugal. O público saiu do evento com uma visão mais ampla do legado científico português, reconhecendo a importância da ciência na construção do país que somos hoje.
OC/RPC
Nota de edição: Este artigo foi enriquecido, integrando algumas sugestões gentilmente cedidas pelo Professor Carlos Fiolhais.
Editor Adjunto