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Segunda-feira, Setembro 9, 2024

Fragilidades do Poder e poder das fragilidades – Por António Duarte-Fonseca

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Exceptuadas as ocasiões em que os holofotes incidem sobre o seu protagonismo gastronómico, as lapas são quase sempre evocadas como metáfora para o apego ao poder, pequeno ou grande, por parte de quem o detém ou julga (ainda) deter.

Tem-se assistido, por estes dias, no continente americano, a mais um exemplo dramático de luta obstinada pela conservação do poder a qualquer custo, pervertendo mesmo as regras da própria democracia, desenvolvidas que foram precisamente para obstar à perpetuação indesejada do domínio político de um indivíduo ou grupo. Mas, como noutros casos, nem o escândalo despertado a nível da comunidade internacional, nem a indignação e contestação dos legitimamente afectados, tem mostrado conseguir demover quem se arroga o direito de mandar, nem que seja pela força.

Antes de recentemente se auto-excluir da corrida para a reeleição para a Casa Branca, o ainda presidente eleito Joe Biden apareceu aos olhos de muitos como mais um caso de alguém que se obstinaria em perseguir e conservar o poder, a despeito de evidentes fragilidades pessoais.

A ampliação mediática dessas fragilidades foi confrangedora e terá certamente lembrado a alguns, não apenas o quanto sabe ser rápida a ingratidão na política, como também a distância que separa o dito primeiro mundo do dito terceiro mundo, quer a nível do desenvolvimento sócio-económico, quer a nível do respeito pela sabedoria, feita de experiência, dos veteranos e seniores.

É pena que a auto-exclusão de Biden tenha acabado por se revelar mediaticamente, aos olhos e ouvidos do mundo, menos voluntária do que precipitada por pressões alheias.
Ele merecia que as suas propaladas fragilidades fossem mais respeitadas o que provavelmente teria acontecido se tivesse sido o próprio a reconhecê-las e a invocá-las como um dos fundamentos para a não recandidatura, após o termo do seu mandato presidencial.

Apesar dos tempos serem outros e o mundo muito diferente, foi o que aconteceu outrora no espantoso caso de outro Senhor de Meio Mundo: Carlos V, rei das Espanhas, Imperador do Sacro-Império Romano-Germânico, Senhor dos Países Baixos, Arquiduque da Áustria, Rei de Nápoles, Sicília e Sardenha e das «Índias Ocidentais».

Uma cascata de mortes precoces concentrou imprevisivelmente neste neto dos Reis Católicos, nascido na Flandres, um enorme e inesperado poder real quando ainda era muito jovem. Ele aumentou-o, reforçou-o e defendeu-o ao longo de uma tenaz carreira militar e diplomática de dezenas de anos que o levou a percorrer várias vezes a Europa.
Foi com grande espanto para o mundo de então – e não muito menos para o de hoje – que Carlos V anunciou em Bruxelas, em 25 de Outubro de 1555, diante de uma vasta assembleia, a sua decisão de abdicar e de renunciar totalmente ao enorme poder político que herdara e conquistara.

Considerando que a missão política que se impusera estava cumprida, que sentia cansado, doente e fisicamente diminuído, compreendeu e aceitou que o julgassem sem proveito para a vida militar no comando dos seus exércitos.

Em seu manifesto entendimento, o poder que lhe coubera não se destinava a constituir proveito seu. Bem ao contrário, ele considerava dever estar ao serviço desse poder, pelo que, perdidas as forças, não fazia sentido continuar a exercê-lo.

A renúncia ao poder quase absoluto de tão poderoso Senhor e o seu retiro voluntário na recôndita Yuste, durante os últimos três anos de vida, continuam a constituir ainda hoje um motivo de reflexão sobre o sentido ético da existência e do desprendimento do poder.

O imperador do Antigo e do Novo Mundo abdicou deliberadamente para se preparar, como desejava, para morrer longe do fausto e do poder, num exercício de humildade derradeira, representada como reconhecimento de uma soberania superior e única, a divina.
Curiosamente, pode dizer-se que foi esse fim da vida que mais poderosamente contribuiu para lhe garantir a imortalidade.

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